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Fernando Crespo Corvisier Thiago de Freitas Câmara Costa
Almeida Prado - Integral dos Noturnos para piano Volume III Coleção USP de Música do NAP-CIPEM da FFCLRP-USP
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Editor Marco Antônio Geraldini Coordenação e organização editorial Rubens Russomanno Ricciardi Realização NAP-CIPEM da FFCLRP-USP Capa Cristiano Ferrari Ilustração de capa Alexandre Delsin Guimarães Imagens de miolo FFCLRP-USP Projeto gráfico e editoração Eduardo Profeta Apoio técnico Luis Alberto Garcia Cipriano
Copyright © 2015 by Fernando Crespo Corvisier e Thiago de Freitas Câmara Costa Editora Pharos Rua Panorama, 870, Palmas do Tremembé, São Paulo, SP - CEP 02347-050 Telefone: (11) 3798-8101 Site: www.editorapharos.com.br E-mail: [email protected]
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Sumário Apresentação .........................................................................................5 1. A obra pianística de Almeida Prado no contexto de sua trajetória ....7 2. Origens do Noturno para piano.........................................................24 3. Os Noturnos para piano de Almeida Prado.....................................50 Referências bibliográficas ................................................................102
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Coleção USP de Música Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance em Música (NAP-CIPEM) do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Prof. Dr. Marco Antonio Zago Reitor Prof. Dr. Vahan Agopyan Vice-reitor Prof. Dr. Antonio Carlos Hernandes Pró-reitor de Graduação Prof. Dr. Carlos Gilberto Carlotti Junior Pró-reitor de Pós-Graduação Prof. Dr. José Eduardo Krieger Pró-reitor de Pesquisa Prof. Dr. Marcelo de Andrade Roméro Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária Prof. Dr. Luis Fernando Medina Mantelatto Diretor da FFCLRP-USP Prof. Dr. Pietro Ciancaglini Vice-diretor da FFCLRP-USP Prof. Dr. Rubens Russomanno Ricciardi Coordenador do NAP-CIPEM e chefe do Departamento de Música da FFCLRP-USP Prof. Dr. Fernando Crespo Corvisier Vice-chefe do Departamento de Música da FFCLRP-USP Prof. Dr. Gustavo Silveira Costa Vice-coordenador do NAP-CIPEM da FFCLRP-USP
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Apresentação Meu primeiro contato com a obra musical de Almeida Prado ocorreu durante a Bienal de Música Brasileira Contemporânea, realizada na Sala Cecília Meirelles, em 1974, no Rio de Janeiro. Neste importante evento foi executada a obra Ilhas, pela pianista Norah Almeida de Moura Castro, que muito me impressionou. Pela primeira vez ouvi uma obra ser executada simultaneamente com a projeção de slides temáticos, das ilhas que inspiraram a composição, que eram sincronizados de acordo com os movimentos da obra. Podemos afirmar que Almeida Prado já estava à frente de seu tempo através de uma concepção multimídia da peça. Outro aspecto que também me chamou a atenção foi o fato da obra incluir o uso de baquetas que percutiam as cordas no interior do instrumento, o que possibilitava uma ressonância fascinante. Para um jovem de 14 anos tudo soava inusitado e ficou gravado de forma indelével em minha memória musical. Mais tarde, em 1981, participei da edição do LP Rios, gravado pelo pianista Antônio Guedes Barbosa para o selo Polygram. O manuscrito da obra despertou minha atenção pelas enormes dificuldades técnicas, mas sobretudo pela capacidade de organização do pensamento musical e pela perfeita exploração de uma riqueza infinita de timbres do piano. Em 1989 fui convidado pelo pianista João Carlos Martins para gravar a transcrição para dois pianos realizada por Almeida Prado dAs Quatro Estações de Antonio Vivaldi. Qual não foi minha surpresa ao começar a ler a obra e constatar a genialidade de Almeida Prado que de uma obra tão popular, criou uma transcrição original e ao mesmo tempo transportou Vivaldi a uma nova dimensão sonora. Segundo o compositor: As “arquifamosas” Quatro Estações de Vivaldi foram livremente relidas. Procurei esquecer das cordas. Pensei em dois imensos pianos Steinway reluzentes, sonoros, super sonoros. (...) Os contornos tecladistas de Johann Sebastian Bach, Chopin, Liszt, Debussy, Messiaen e também alguns brilhos estelares das minhas Cartas Celestes, [está] tudo misturado nessa torta neo-romântica, em pleno final do século XX.1
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A transcrição de Almeida Prado explora a tradição romântica da transcrição de obras para piano. Almeida Prado pensa da mesma forma que Busoni, amplificando as texturas, muitas vezes com oitavas vertiginosas, de forma a valorizar os recursos orquestrais do instrumento. Foi com enorme prazer que realizei esta gravação e a partir desse momento iniciei minha amizade com o compositor. Minha pesquisa acadêmica sobre a obra de Almeida Prado teve início no curso de doutorado na Universidade de Houston, Texas, onde defendi a tese The Ten Piano Sonatas of Almeida Prado: the development of his compositional style (2000). O presente livro-CD teve origem em vários trabalhos de pesquisa realizados no Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (DM-FFCLRP-USP). O ponto de partida foi um trabalho de Iniciação Científica realizado pelo meu aluno de bacharelado Alexandre Delsin Guimarães, onde discutimos aspectos interpretativos do primeiro caderno de Noturnos, editado pela Tonos Verlag. Nesta época só conhecia o Quarto Noturno e fiquei fascinado pelos outros Noturnos deste caderno. Logo após a conclusão dessa pesquisa tive acesso ao manuscrito do segundo caderno. Sugeri ao meu aluno Thiago de Freitas que realizasse uma edição crítica e transcrevesse no software Finale os Noturnos de número 6 a 14. Este trabalho acabou resultando em sua dissertação de mestrado intitulada A Edição Crítica e Revisada dos Noturnos para Piano de Almeida Prado (2011). Freitas realizou um primoroso trabalho de correção dos manuscritos originais sob a supervisão direta de Almeida Prado. Este foi um dos últimos trabalhos de revisão do compositor. Tendo em vista a complementação do trabalho de pesquisa, decidi gravar a integral dos Noturnos, pois até o momento não havia registro sonoro integral dessas obras. Por meio agora da Coleção USP de Música do NAP-CIPEM foi possível a realização desta gravação, bem como divulgação desta obra para piano de Almeida Prado. Prof. Dr. Fernando Crespo Corvisier
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1. A obra pianística de Almeida Prado no contexto de sua trajetória O compositor José Antônio de Almeida Prado (1943-2010) ocupa uma posição de destaque na música contemporânea brasileira. Sua obra é reconhecida mundialmente e se encontra presente no repertório dos grandes intérpretes. Na vasta produção musical do compositor notamos as influências de seus mestres Camargo Guarnieri, Olivier Messiaen e Nadia Boulanger, bem como de compositores como Villa-Lobos e György Ligeti, entre outros. Apesar desta multiplicidade de influências, Almeida Prado sempre revelou uma linguagem musical própria, que denotava imensa criatividade e completo domínio do métier. Exímio pianista, Almeida Prado encontrou no piano o instrumento ideal para a expressão de suas ideias. A escrita pianística revela ora traços lisztianos, onde a virtuosidade explora todos os recursos e possibilidades sonoras do instrumento, ora traços de Villa-Lobos no tratamento percussivo e na complexidade das estruturas rítmicas. Em relação a seu estilo composicional, Almeida Prado dividiu a sua trajetória em sete fases ou períodos distintos: 1952-1959 - anos de aprendizado. 1960-1965 - influência do neofolclorismo de Camargo Guarnieri. 1965-1969 - aulas particulares com Gilberto Mendes; exploração do serialismo. 1969-1973 - influências de Messiaen, Ligeti, Penderecki e Stockhausen. 1973-1983 - consolidação de sua linguagem composicional; períodos astronômico e ecológico; exploração de novas sonoridades; transtonalidade. 1983-1993 - pós-modernismo; pluralismo e ecletismo; colagens e citações como meios de expressão musical. 1994-2010 - síntese; período tonal livre.
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Anos de aprendizado Almeida Prado nasceu e cresceu em Santos num ambiente familiar que valorizava a arte musical. Sua irmã mais velha, Tereza Maria, excelente pianista, fora aluna de Antonieta Rudge, Luigi Chiafarelli e mais tarde de Dinorah de Carvalho. Almeida Prado passava horas ouvindo sua irmã tocar os clássicos da literatura pianística e obras de Villa-Lobos, que muito apreciava. Deste contato diário com a música nasceram suas primeiras composições. As leituras de contos de fadas e estórias infantis, as experiências e as emoções de seu dia-a-dia de criança, tudo se transformava em música. Logo compôs sua primeira peça, intitulada Adeus, curta e simples, mas responsável por despertar, definitivamente, sua vocação como compositor. Comecei a estudar piano e um dia, com oito anos, fui para o piano e fiz uma música. Se chama Adeus, eu tinha oito anos, “Adeus” porque minha irmã Maria Luiza, que se tornou freira, tinha ido para o convento e foi embora... É uma música muito simples, mas eu fiz inteira. Tem uma forma coerente, uma harmonia tonal correta, e comecei a brincar [de compor] assim. E várias obras foram se sucedendo, pequenas pecinhas2.
Posteriormente sua família se muda para São Paulo e aos dez anos Almeida Prado já estuda com especial afinco piano e composição com Dinorá de Carvalho3 (1895-1980). Primeiras obras pianísticas – influência da Escola de Camargo Guarnieri Sua jornada como compositor se inicia por volta de 1960, quando Dinorá de Carvalho leva Almeida Prado para um recital em Santos. Por meio desta oportunidade, Almeida Prado mostra suas peças a Guarnieri, que o convida imediatamente para frequentar sua classe de composição. E assim nasce uma ligação que durou cinco anos (1960-1965). Almeida Prado descreve os seus anos de formação com Guarnieri afirmando que: ALMEIDA PRADO, 1999 – entrevista registrada em fita cassete em palestra realizada na Academia Brasileira de Música do Rio de Janeiro, maio de 1999. Professora, compositora e pianista virtuose. Nasceu em Uberlândia em 1895 e faleceu em São Paulo em 1980. Estudou em Paris e se apresentou em diversos países da Europa e América. Teve seu trabalho elogiado por VillaLobos e sua obra foi executada por nomes como Guiomar Novaes, Bidu Sayão, Camargo Guarnieri, Souza Lima e Eleazar de Carvalho, entre outros.
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Camargo Guarnieri era o único compositor brasileiro que tinha uma escola de composição oficial em seu estúdio. Koellreutter, outro grande mestre da época, estava sempre ausente, depois de fundar o grupo de composição do Rio [Grupo Música Viva, fundado em 1939], foi morar na Europa e vivia pelo mundo viajando. Não havia outro professor de composição estável que pudesse ensinar, dar aulas de forma regular, a não ser o Guarnieri. Foi um privilégio ter sido aluno dele. Com Guarnieri eu fiz as matérias de composição. Ele trabalhava diretamente com o folclore segundo a ótica de Mário de Andrade (apud CORVISIER, 2000, p.4).
As primeiras obras para piano deste período revelam a influência do neofolclorismo de Camargo Guarnieri. Segundo Almeida Prado, os anos de aprendizado com Guarnieri foram determinantes na formação de uma base técnica sólida, que o tornou apto a dominar as complexidades do contraponto e da harmonia. Muitas peças desse período são em forma de tema e variações. Nos ensinamentos de Guarnieri havia o princípio de que este gênero era mais adequado ao desenvolvimento de um jovem compositor. Apenas após dominar as pequenas formas os alunos obtinham permissão para abordar formas mais complexas como a sonata e o rondó. Desta forma, as peças mais representativas desse período são as VIII Variações sobre um Tema Nordestino: Onde vais Helena? (1960), XIV Variações para Piano sobre um Tema Afro-Brasileiro: Xangô (1961) e VIII Variações sobre um Tema do Rio Grande do Norte: Aeroplano Jahú (1963). As Variações Xangô são um rico compêndio de técnicas composicionais adotadas por Guarnieri. Este tema é uma canção ritual de origem africana recolhida por Mário de Andrade em rituais de macumba no Rio de Janeiro. Prado usa apenas a primeira metade do tema assim como o fez Villa-Lobos na sua composição Xangô para coro misto. Nestas variações se observa a predominância da escrita polifônica, o extenso uso de modos e ritmos típicos brasileiros, denotando a essência do legado de Guarnieri. Embora a influência de Guarnieri seja notável nas Variações Xangô, a obra já demonstra algumas características latentes do estilo posterior de Almeida Prado. Por exemplo, na última variação, a exploração dos registros extremos do instrumento na busca da ressonância se torna um traço distinto. Revela-se latente no ideal
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sonoro do compositor, sendo explorado mais tarde com frequência nas obras para piano.
Fig. 1: Almeida Prado - Variações sobre o tema “Xangô” (Variação XIV)
Camargo Guarnieri foi um dos maiores nomes e grande defensor da escola neofolclorista após Villa-Lobos. Com seu estilo pessoal no qual modalismo e polifonia estão sempre presentes ao lado de estruturas formais organizadas dentro dos princípios clássicos, Guarnieri foi o mais consciente de todos os compositores da primeira geração neofolclorista e, conforme palavras do musicólogo José Maria Neves4, “talvez o possuidor de melhor técnica e o que mais forte influência exerceu sobre os jovens compositores.” Seu papel de defensor do neofolclorismo ficou ainda mais evidente quando da publicação de sua Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil de 7 de novembro de 1950, na qual defendia as ideias neofolcloristas e atacava o dodecafonismo e o cosmopolitismo, então preconizados pelo músico alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) e seu Grupo Música Viva, do qual faziam parte também Eunice Katunda, Cláudio Santoro e Guerra-Peixe, entre outros. O Música Viva foi um movimento responsável pelo desencadeamento de uma intensa renovação na música brasileira. Esta contenda entre estes dois grupos musicais antagônicos,
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NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981, p.69.
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os nacionalistas e os “renovadores”, caracterizou este período da história da música brasileira, quando vieram a público uma série de cartas abertas que resultaram em acaloradas e polêmicas discussões. Para Guarnieri as novas tendências na música contemporânea eram antinacionais, antipopulares, representavam a degeneração e a decadência da arte. Na opinião do Maestro, a adesão aos princípios dodecafônicos denotavam a falta de orientação dos compositores que se deixavam influenciar por pessoas oriundas de países onde o empobrecimento do folclore era evidente. Ciente desta radical postura estético-poética de seu professor, Almeida Prado sabia que se quisesse expandir seus horizontes para além do neofolclorismo, teria necessidade de interromper as aulas com Guarnieri. Desta forma, Almeida Prado relata como surpreendeu Guarnieri inserindo algumas ideias serialistas em suas Variações sobre o tema do Rio Grande do Norte. Esta peça tinha uma cadência com dois compassos seriais. Uma coisa boba hoje em dia. Guarnieri fez um escândalo, dizendo que ali havia influências de Koellreutter e de Gilberto Mendes. Guarnieri rasgou minha partitura. Decidi então escrever mais quatro compassos seriais, mas não lhe disse nada. Eu ia tocar a obra no Teatro Municipal de São Paulo sob a regência do próprio Guarnieri. Como não havia tempo para ensaiar a cadência, ele só a ouviu na hora do concerto. Hoje em dia é algo “clássico”, mas na época soava um “falso Boulez”. Guarnieri ficou petrificado. Ao acabar o concerto eu já sabia que não teria mais aulas com ele, que Guarnieri não ia mais querer me dar aulas. Ao final me despedi dele dizendo: “Maestro, eu quero seguir o caminho desta cadência”. Depois deste concerto, Guarnieri ficou cinco anos sem falar comigo (apud CORVISIER, 2000, p.7).
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Novos Rumos - Primeiro Caderno de Momentos Rompendo com a escola de Guarnieri, Almeida Prado conhece Gilberto Mendes5 (1922-2016), que lhe abre novos horizontes na descoberta da música contemporânea. Gilberto Mendes não era um professor de composição no sentido mais tradicional da palavra, mas um excelente tutor que lhe permitiu conhecer, por meio da escuta, apreciação e análise, as obras de Schönberg, Berg, Webern, Stockhausen, Boulez, Messiaen, Varèse, Stravinsky e Villa-Lobos. ...então eu fui ter aulas com o Gilberto Mendes. Só que o Gilberto Mendes não foi um professor do tipo de pagar uma aula e dele vir à minha casa ou de eu ir à casa dele. Eu ia jantar com ele, conversávamos até às três horas da manhã. Ele me mostrava uma partitura e tocava algumas músicas no rádio de sua casa. Ele tinha vários discos, LPs que ele trouxera de Darmstadt. Ele estava, na época, revolucionando a música brasileira. E eu fui aprendendo por meio de bate-papo, compondo uns exercícios seriais que lhe mostrava. E ele os corrigia. Isso era genial! Isso é aula! (apud TAFFARELLO, 2010, p.269-270).
Nos anos seguintes Almeida Prado buscou uma nova linguagem poética na música, tentando se desvincular da influência neofolclorista. Os encontros informais com Gilberto Mendes foram de extrema importância e representaram um passo importante no desenvolvimento de sua carreira como compositor. O contato com a música serial influenciou naturalmente suas composições, deixando de lado a temática folclórica e obtendo novos sistemas de estruturação musical, iniciando assim sua terceira fase composicional. Como resultado desta nova concepção poética, Almeida Prado compôs em 1965 seu primeiro caderno de momentos e a primeira sonata para piano. O primeiro caderno de momentos (cuja coleção compreende nove cadernos compostos entre 1965 e 1983) foi composto entre janeiro e março de 1965. De acordo com o compositor, o termo “momento” foi inspirado nos Momentos Musicais de Schubert: “minha 5
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Compositor santista que participou dos movimentos de vanguarda (música microtonal, aleatória, teatro musical etc.) no Brasil desde os anos 60 do século passado, tendo sido, desde os anos 80, precursor também das novas tendências pós-vanguarda (música minimalista, nova consonância etc.). Frequentou os Cursos de Férias de Música Contemporânea em Darmstadt (Alemanha) com Boulez, Nono e Stockhausen, no início dos anos 60, e, no Brasil, foi um dos protagonistas do grupo Música Nova. Gilberto Mendes fundou o Festival Música Nova em Santos (1962) e foi um dos signatários do Manifesto Música Nova (1963), redigido por Rogério Duprat. Hoje o Festival Música Nova “Gilberto Mendes” leva seu nome, e, desde 2012, está sediado no Campus da USP de Ribeirão Preto.
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ideia foi compor pequenas peças como Schubert em suas miniaturas musicais.” (COSTA, 1998, p.7). Todavia, estas peças se relacionam mais diretamente aos Momente de Stockhausen, compostos em 1963 para soprano solo, coro, dois órgãos elétricos, metais e percussão. Os cadernos de momentos representam uma fonte inesgotável de ideias. De acordo com o compositor: “os momentos são esboços, estudos e experimentos com técnicas composicionais diversas, as quais podem ser usadas mais tarde em obras maiores como uma sonata para piano ou mesmo uma sinfonia.” (COSTA, 1998 p.6). Nestas peças o ritmo, a harmonia e o tempo são manipulados de maneira não-linear, cuja forma não pede desenvolvimento, abordando a descontinuidade e múltiplas temporalidades. No primeiro Momento Almeida Prado mergulha numa nova linguagem musical. A linha contínua do extenso arpejo da mão direita gravitando ao redor do polo Fá, faz surgir uma atmosfera minimalista não explorada anteriormente pelo compositor. Ademais, a conjugação de modalidade com estruturas de harmonia quartal também representa uma nova tendência nos recursos harmônicos de Almeida Prado.
Fig. 2: Almeida Prado – Momento nº 1 para piano
Ao mesmo tempo, a primeira sonata para piano composta em 1969 demonstra uma tentativa de romper com a poética neofolclorista guarnieriana adotando uma postura mais universalista e explorando
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novos recursos timbrísticos e composicionais. O pontilhismo e a contínua fragmentação da textura na fuga do último movimento são exemplos marcantes da utilização do serialismo pós-Webern, como podemos observar no próximo exemplo:
Fig. 3: Almeida Prado - Sonata nº 1, terceiro movimento: Fuga
A partir de meados da década de 60, Almeida Prado inicia sua carreira internacional. Em 1967 participou do X Festival Internacional de Santiago de Compostela, na Espanha, onde recebeu a orientação do compositor Clementi Terni. No ano seguinte, 1968, Almeida Prado apresentou-se no Festival Latino-Americano de Washington, com Cantus Creationes, obra encomendada pela Organização dos Estados Americanos. Paralelamente às suas atividades composicionais, Almeida Prado exercia o cargo de professor de piano e análise no Conservatório Musical de Santos (1964-69), professor de piano na Escola Dinorah de Carvalho e na Fundação das Artes de São Caetano do Sul (1968-69). No final da década de 60 Almeida Prado já se firmava como um nome importante dentre os jovens compositores brasileiros. Além de prêmios e condecorações recebidos em São Paulo e Santos, foi o vencedor de um importante concurso de composição no Rio de Janeiro (1969), recebendo o 1º Prêmio do I Festival de Música da Guanabara com a peça Pequenos Funerais Cantantes para solistas, coro e orquestra, com texto de Hilda Hilst. Este prêmio possibilitou a Almeida Prado estudar na Europa, onde permaneceu de 1969 até 1973. Após um curto espaço de tempo em Darmstadt, onde entrou em contato com a música de Stockhausen e Boulez e estudou com Ligeti e Lukas Foss, Almeida Prado se fixou em Paris, onde foi aluno de Olivier Messiaen e Nadia Boulanger.
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Anos de estudo na Europa - Influências da Escola de Darmstadt e Messiaen O ambiente musical parisiense lhe permitiu alargar ainda mais os seus conhecimentos musicais sob a tutela de mestres notáveis como Messiaen e Nadia Boulanger. Durante este fecundo período de quatro anos [em Paris] pude realizar todo um trabalho de síntese da música contemporânea (...). Na classe de Messiaen, a análise dos ritmos e modos hindus, a concepção totalmente nova do espaço e tempo na música alargaram enormemente minha concepção de Espaço Sonoro (...). A revisão aprofundada da harmonia, contraponto, que realizava tão meticulosamente com Nádia Boulanger, deram-me a capacidade artesanal (apud MOREIRA, 2002, p.45).
As obras mais importantes e representativas do período em que Almeida Prado se aperfeiçoava em Darmstadt e Paris são o segundo caderno de momentos, a segunda sonata para piano e Ad Laudes Matutinas. O segundo caderno de momentos reflete a experiência musical vivida por Almeida Prado na Escola de Darmstadt, onde ele teve a oportunidade de conhecer a elite da vanguarda musical europeia. A maturidade musical deste segundo caderno é verificada primeiramente por suas ideias originais combinadas com novos efeitos timbrísticos e inusitadas figurações rítmicas. O terceiro momento, por exemplo, é um estudo imaginativo de clusters diatônicos e cromáticos em diferentes registros do teclado. O sexto momento lembra a linguagem pianística do Klavierstück nº 10 de Stockhausen quanto ao uso de dinâmicas contrastantes e técnicas de avant-garde. Esta peça também compartilha certas semelhanças com a segunda sonata para piano em termos de manipulação do timbre e na transcendência virtuosística.
Fig. 4: Almeida Prado - Momento nº 3
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A segunda sonata, composta em 1969, também é fruto direto das experiências vivenciadas em Darmstadt, demonstrando uma afinidade com a linguagem musical de Stockhausen e Ligeti. Obra de dificuldades transcendentais, Almeida Prado explora nesta sonata técnicas de avant-garde, tais como o uso de cordas abafadas pela palma da mão, dando início a experimentos timbrísticos inusitados, até então pouco explorados em sua obra.
Fig. 5: Almeida Prado – Sonata nº 2 para piano
Outra obra Ad Laudes Matutinas, composta em 1972, em Paris, foi inspirada na Liturgia Beneditina. Nesta peça, Almeida Prado tenta imitar o efeito da reverberação sonora produzida pelo canto dos monges dentro da acústica ressonante de uma igreja. Nesta obra encontramos a influência de Messiaen no uso da serialização da dinâmica e do ritmo.
Fig. 6: Almeida Prado- Ad Laudes Matutinas
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Períodos composicionais Ecológico e Astronômico Em 1973, Almeida Prado participou do Simpósio sobre a Nova Música Brasileira, em Friburgo, Suíça, e logo depois retornou ao Brasil, passando a exercer o cargo de diretor do Conservatório Municipal de Cubatão, permanecendo por um ano. O contraste causado entre as realidades brasileira e europeia despertou no compositor uma nova fase composicional, baseada em suas preocupações ecológicas e pela necessidade de encontrar um discurso sonoro de conteúdo denso e comunicação explícita. Inicia-se então, sua 5ª fase, chamada ecológica e astronômica. Na Europa, [senti] que podia fazer uma fusão (...) das técnicas seriais (...) com a análise (...) [da] obra de Stravinsky que eu fiz com a Nadia Boulanger, (...) usando rítmica brasileira em modos rítmicos que Messiaen me ensinou. (...) Na minha volta ao Brasil, [descobri] que eu podia fazer uma releitura da música brasileira por meio da ecologia. (...) Então, fiz a Exoflora. (...) Nessa época surgiram as Cartas Celestes, uma obra em que, pela primeira vez uso o espectralismo. (...) Comecei então a fazer minha música baseado nessas ressonâncias6 (apud MOREIRA, 2002, p. 47).
Em 1974 o compositor participou da conferência Atual escola brasileira de composição, em Vevey, Suíça, e foi homenageado na Conferência A obra pianística de Almeida Prado, em Genebra, Suíça. Compõe então um dos seus mais importantes ciclos, a obra Ilhas, para piano solo, onde o compositor inicia sua exploração das técnicas de ressonância. O procedimento de serialização de acordes explorado nesta obra seria o ponto de partida para a elaboração da estrutura composicional das Cartas Celestes, que seriam compostas no ano seguinte. Almeida Prado explica que nesta época ele utilizava de processos seriais atonais, com um pensamento de fixar os acordes como se fossem “tonalidades”, sem o processo típico serial de Schönberg, que após a série original, vem a inversão, o retrógado, e a inversão do retrógado. Ilhas são situações sonoro-estáticas limitadas em sua concepção serial, como blocos sonoros, no caso tentando descrever “ilhas sonoras” das mais diversas ambientações geográficas (apud ASSIS, 1997:30).
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Outra obra que merece destaque foi Exoflora, para piano e orquestra, estreada em Graz, na Áustria, com o próprio Almeida Prado ao piano, sob regência de John Neschling. Em junho do mesmo ano, por meio de uma encomenda feita pelo Planetário do Ibirapuera, surgiu o primeiro volume das Cartas Celestes, para piano, considerada pelo compositor sua obra mais sólida e importante, iniciando sua fase astrológica. Cartas Celestes marcaram profundamente sua linguagem composicional subsequente, dando origem a um ciclo de peças para piano solo. Eu acho a obra mais importante para piano da literatura mundial, não só nacional. É uma das mais importantes porque é a obra mais longa para piano que existe, nem Messiaen tem uma obra assim, feita com o mesmo material. Na verdade ela é um grande afresco, um grande mural cósmico que mudou muita coisa no discurso do piano e influenciou muito a música brasileira, todos os compositores jovens foram beber lá. Todos os que compõem para piano foram beber nas Cartas Celestes. Como também as Cartas Celestes têm influencia de Messiaen, Debussy, Villa Lobos, mas enfim ela é uma coisa nova. Ela é o Qadós da Hilda (hoje Kadosh de Hilda Hilst) (VASCONCELOS, 2007).
Nesta obra Almeida Prado inventa um mapa celeste de música, imagina a música das galáxias, a Via-Láctea, as constelações, nebulosas, meteoros e cometas. Carta Celeste nº 1 é dividida em três movimentos: I - Pórtico do Crepúsculo II - Via-Láctea III - Pórtico da Aurora
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Fig. 7: Almeida Prado – Carta Celeste nº 1
Almeida Prado considera esta peça o ponto de partida para a descoberta e adoção de novas técnicas composicionais. O compositor afirma que “Cartas Celestes exploram um novo processo de articulação tonal aberto a todas as aquisições do processo contemporâneo de composição como a serialização de ritmos e melodias, o uso de clusters e a acumulação de diferentes ritmos e melodias justapostos.” Almeida Prado denominou este novo sistema harmônico de transtonalidade, ou seja, um sistema de relações tonais não funcionais. O próprio compositor explica que transtonalidade é “a utilização de elementos tonais fora do contexto da estrutura tonal. O acorde tonal é liberado de sua função tonal, tornando-se tão independente quanto um acorde atonal”6. O vocabulário harmônico da obra é baseado em vinte e quatro acordes, cada um representado por uma letra do alfabeto grego. Esses acordes são agrupados em estruturas de clusters escritas em diferentes registros do teclado. Esses clusters são usados como meio de explorar a ressonância do piano. Esta é com certeza uma das obras mais importantes e representativas do vasto repertório pianístico de Almeida Prado. As Cartas Celestes se tornaram uma obra monumental, quase uma macro sonata, após a aparição dos cinco volumes seguintes compostos entre 1981 e 1982. 6 (...) Consiste na utilização consciente das oitavas, quintas, quartas, terças, sextas e sétimas do espectro harmônico, (...) com notas superiores livremente usadas”. In. GUBERNIKOFF, Carole, org. 1966, pp. 55, apud MOREIRA, 2002, p. 47.
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Outra obra importante do período ecológico do compositor é Rios. Composta em 1976, foi encomendada pelo grande pianista Antônio Guedes Barbosa (1944-1993). Esta composição foi inspirada pela Lenda do Iamulumulu dos índios do Xingu. Almeido Prado descreve a gênesis de Rios no prefácio da partitura: Quando li o livro sobre os mitos dos índios do Xingu dos irmãos Villas-Boas, fiquei fascinado, sobretudo, pela magia telúrica contida no texto. O mito do Iamulumulu, da formação dos rios, me deu inúmeras ideias e emoções que resolvi então transformar em música7.
Rios está dividida em três partes: I - As águas de Canutsipém; II - Jakuí-Katu, Mearatsim, Ivat, Jakuiaep, os espíritos que habitam o fundo das águas; III - A descida das águas e a formação dos rios Ronuro, Maritsauá e Paranajuva. As variadas atmosferas usadas para captar a essência da mitologia Iamulumulu resultou numa obra grandiosa. As qualidades essenciais desta obra relembram o efeito ressonante das Cartas Celestes aliado à interação ímpar entre ritmo e timbre. Pós-Modernismo: releitura e colagens na busca de novas experimentações sonoras A 6ª fase composicional de Almeida Prado é definida pelo compositor como pós-moderna. É uma fase de saturação de todos os mecanismos: astronômico, ecológico, afro, etc. Após a 6ª Carta Celeste, composta em 1982, eu disse: “Chega! Agora eu quero reler” (...) Uma total ausência de querer ser coerente, um assumir o incoerente. É uma fase nova em relação às anteriores, embora tenha algumas coisas das outras (apud MOREIRA, 2002, p. 47).
Em sua fase pós-moderna, Almeida Prado utiliza-se de paráfrases, colagens, citações e revisitações a formas tradicionais. Segundo José Maria Neves (1984), inicia-se uma fase de fusão de matérias que chega próximo ao surreal, como a mistura do modal com
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Texto de Almeida Prado na contracapa do LP Villa-Lobos e Almeida Prado, tendo como intérprete o pianista Antônio Guedes Barbosa (Selo Polygram, Rio de Janeiro, 1981).
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o atonal e o serial, elaborações rítmicas e efeitos timbrísticos8. Os 16 Poesilúdios para piano, inspirados em poemas, pinturas e noites de grandes cidades, os 7° e 8° Cadernos de Momentos, para piano e os Noturnos são considerados um conjunto de obras das quais marcaram esta fase, onde o compositor tenta desvencilhar-se da linguagem das Cartas Celestes. A década de 80 é muito importante para a produção musical de Almeida Prado, pois se trata de uma época onde ele “[...] redefine-se estilisticamente a todo momento” (LACERDA, 2006, p.24). O sétimo caderno de momentos, composto em 1983, demonstra plenamente nestas peças o ecletismo musical é construído através de “materiais nãorelacionados entre si e colados sobre uma superfície, formando uma única composição”. De acordo com o compositor, as ideias musicais “são transformadas da mesma maneira que Picasso distorceu As Meninas de Velásquez” (PRADO, 1999). Simultaneamente, Almeida Prado emprega esta técnica no terceiro momento deste caderno, usando um fragmento de Tristão e Isolda de Wagner que aparece como citação no discurso musical. Este tema é então submetido a uma série de transformações permeadas por ostinatos minimalistas.
Fig.8 - Almeida Prado – Momento 40 (7º Caderno)
Os Noturnos para piano, compostos entre 1985 e 1991, assunto principal deste livro-CD, também pertencem à fase pós-moderna e serão discutidos com mais detalhes no Capítulo 3. Outro aspecto desta fase é o retorno à utilização de elementos do folclore e das culturas indígenas no Brasil, mas abordado através 8 NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1984 (apud SACARDUELLI, 2008).
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de uma percepção mais ampla e arrojada, chamada pelo compositor de “temática afro-brasileira”, destacando as obras para piano Savanas (1983), Sonatas 3 e 4 (1984), Sonatas 5 e 6 (1985), e ainda a obra para grande orquestra, Sinfonia dos Orixás (1985). O afro-brasileiro não foi uma experiência mística, mas estética. Não tenho interesse nessas religiões enquanto atos de fé. Acho muito bonito o ritual do Candomblé, as roupas, os temas, o transe, os tambores, a ligação com a terra, muito primitiva. Tudo isso me encantou quando compus Sinfonia dos Orixás e a Sonata Omulu [nº 5]. Respeito quem crê em qualquer religião. A divindade de Jesus está em cada religião. Se Deus está em tudo, o Espírito Santo também age no Candomblé — para quem crê. No que se refere ao respeito a todas as religiões, sou ecumênico (apud MOREIRA, 2002, p. 66).
A expressão da religiosidade é um fator marcante e constante na obra de Almeida Prado. Grande parte da sua obra pianística revela a forte presença da fé católica em sua vida. Le Rosaire de Medjugorjie Icône Sonore pour Piano (1987) é uma das obras mais representativas dentre aquelas de inspiração religiosa. É uma obra de programa cuja composição foi motivada pelas aparições de Nossa Senhora na cidade de Medjugorjie, na antiga Iugoslávia. Esta obra narra a vida de Cristo como é apresentada na oração do Santo Rosário: I - Mystères Joyeux; II - Mystères Douloureux; III - Mystères Glorieux e IV - Mistérios Luminosos (composto em 2002). O Rosário pertence à fase composicional pós-moderna de Almeida Prado, na qual ele combina linguagens musicais contrastantes tais como tonalismo, serialismo, pandiatonicismo e modalismo. A obra é baseada numa série de doze sons que Almeida Prado denomina modo serial de Medjugorjie. A partir desta série de doze sons o compositor constrói uma série de acordes pentatônicos que permeiam o vocabulário harmônico de toda a obra. Além da obra Le Rosaire de Medjugorjie podemos citar outras obras para piano centradas nesta mesma temática religiosa como as Sonatas para Piano (6, 7 e 8), Nove Louvores Sonoros, Três Profecias em forma de Estudo, Balada nº. 2: Shirá Israeli, Quinze Flashes de Jerusalém.
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Em 1990 Almeida Prado compôs uma importante obra de caráter pedagógico: a Cartilha Rítmica para Piano, a partir de uma encomenda de Salomea Gandelman, a quem é dedicada. “Gandelman sugeriu que o compositor organizasse suas intrincadas propostas rítmicas de forma a facilitar o acesso dos estudantes de piano às complexidades de sua obra” (COHEN; GANDELMAN, 2006, p.13). A Cartilha é dividida em quatro volumes com exercícios progressivos organizados em níveis de dificuldade. Embora o repertório para piano de Almeida Prado exija uma técnica virtuosística para a execução das dificuldades que apresenta, sua escrita é notavelmente pianística. Observa-se que Almeida Prado não pede nada ao intérprete que ele mesmo não fosse capaz de executar ao piano. Assim como em Messiaen e Villa-Lobos, as contribuições de Almeida Prado para a técnica pianística são inseparáveis da questão da linguagem musical. Sem dúvida, sua música é uma importante e enriquecedora contribuição para o repertório contemporâneo pianístico no Brasil.
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2. Origens do Noturno para piano A origem do termo noturno, um gênero que se afirmou no Romantismo, carrega na verdade uma multiplicidade de significados. David Rowland em seu artigo The nocturne: development of a new style9 descreve como este gênero musical tinha um significado mais amplo e muitas vezes poderia estar impregnado de definições extremamente ambíguas. Com o intuito de ilustrar seu argumento, Rowland toma como exemplo a definição do termo Nocturne listado no Jossue’s Compendious Dictionary of Italian and Other Terms used in Music, publicado em Londres, em 1829. Jossue’s define o termo noturno da seguinte forma: Peça musical destinada a ser executada como uma serenata noturna. O noturno vocal é escrito para 2, 3 ou 4 vozes e, às vezes, é arranjado de maneira a ser executado sem acompanhamento. O termo noturno é também empregado em peças operísticas que têm o caráter de noturnos e são cantadas em cenas à noite. O noturno é também uma peça instrumental escrita para harpa e trompa, oboé e piano. Esses noturnos, propriamente ditos, são somente notturno, um nome dado, a princípio, para peças tocadas durante a noite: atualmente este termo é usado para um divertimento10.
De fato, várias nomenclaturas foram utilizadas a partir do século XVIII para designar o gênero noturno em diversos idiomas e com significados distintos. O termo italiano notturno ocorre frequentemente como título na música do século XVIII, e era utilizado primordialmente para denominar a composição escrita para conjuntos de instrumentos, constituindo-se de vários movimentos ou partes11. Neste caso, o termo não possuía a mesma definição que viria a ter anos depois - utilizado como evocativo de espírito poético, tampouco trazia alusão musical referente à noite. O termo apenas referia-se a uma obra que se prestava a ser executada durante eventos noturnos. O termo em francês nocturne só foi utilizado a partir de algumas peças líricas para piano de John Field, compostas entre 1812 e 1836. O precedente mais próximo de Field é provavelmente o Noturno Concertante para piano e violino,
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9 ROWLAND, David. The nocturne: development of a new style. In: The Cambridge Companion to Chopin, editado por Jim Samson. Cambridge University Press, 1992, p.33. 10 ROWLAND, David. Ibid. p.34 11 Uma das obras mais executadas, que explorou este gênero, é Eine kleine Nachtmusik K.525 (Uma pequena música noturna) de Mozart.
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composto por Dussek e publicado em Londres como Op. 65, em 1808, obra que antecipa em alguns momentos o estilo melódico de Field. Carl Czerny12 foi um dos primeiros compositores a salientar as características do noturno para piano afirmando que este gênero era uma imitação “daquelas peças vocais” que são chamadas de serenatas. A definição de Czerny é oportuna pois salienta um importante elemento compositivo que será explorado exaustivamente pelos compositores de noturnos – a voz como fio condutor de toda estrutura melódica. A maioria dos dicionários e enciclopédias de música consideram John Field (1782-1837) um dos precursores do gênero noturno para piano. David Rowland contesta esta afirmativa explicando que é possível verificar nos movimentos lentos das sonatas do compositor Louis Adam13 (1758-1848), compostas a partir de 1785, a presença da textura da melodia acompanhada, que seria atribuída como uma invenção exclusiva de Field. O Romance da Sonata op.7 nº 3 de Louis Adam é um exemplo determinante das características que seriam exploradas no noturno para piano ao longo do século XIX.
Fig.1: Louis Adam – Sonata op.7 nº 3, 2o movimento, c.1-2.
No exemplo acima podemos observar que o acompanhamento de colcheias em quiálteras é o mesmo tipo de textura que será explorado mais tarde por Field em seus noturnos. A linha melódica ornamentada, muitas vezes de caráter vocal, é outro aspecto bastante trabalhado por Louis Adam neste Romance, mais uma vez demonstrando as semelhanças entre os noturnos dos dois autores. É importante notar também que, na textura da mão esquerda, os baixos são valorizados por notas sustentadas (tenutas). Além de prolongar a linha harmônica, essa indicação denota as limitações dos pianos franceses desta época,
ainda desprovidos de mecanismos de pedal mais eficientes para acionamento dos abafadores. 12
Carl Czerny, School of Practical Composition: Complete Treatise on the Composition of All Kinds of Music, opus 600, tradução de John Bishop (London, 1848), 1:97-98. 13 Louis Adam foi o primeiro professor de piano do Conservatório Nacional de Paris. Publicou os seguintes tratados de técnica pianística : Méthode ou principe générale du doigté pour le Forté-piano (1798) e Méthode nouvelle pour le Piano (1802). Em 1804 escreveu um tratado de técnica pianística Méthode de piano du Conservatoire, que contribui de forma considerável para a pedagogia do piano.
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Um fato importante deve ser levado em consideração quando se investiga a evolução do gênero noturno para piano no século XIX: os avanços tecnológicos permitiram um aperfeiçoamento constante da mecânica do instrumento possibilitando aos compositores novas explorações de som, textura e timbre. A textura do noturno (com seus grandes arpejos na mão esquerda) só pode ser explorada na sua totalidade a partir do aprimoramento do instrumento e, principalmente, do pedal forte, cujo maior desenvolvimento ocorreu, de fato, nos pianos ingleses. Foi justamente nesta época que John Field deu início à experimentação de novas texturas pianísticas a partir dos recursos sonoros dos pianos ingleses. Nicholas Temperley (1975) descreve em seu artigo John Field and the First Nocturne um importante aspecto técnico na composição do noturno para piano: Um problema técnico confrontou não apenas Field, mas também outros compositores desta época: como combinar uma melodia expressiva e aguda com harmonias bem espaçadas mantendo um nível constante de dinâmica, nas mãos de apenas um intérprete?14
O pedal de sustentação foi a solução encontrada pelos compositores na busca de novas texturas pianísticas. A partir da ressonância do pedal havia a possibilidade de conferir liberdade à mão esquerda para o preenchimento da harmonia nos registros grave e médio do piano por meio de uma rica textura de acompanhamento. Segundo Temperley, podemos denominar este tipo de acompanhamento de textura de noturno (nocturne texture), encontrada na maioria dos Noturnos de Field. É válido ressaltar que o acompanhamento não é formado apenas por arpejos, mas também por uma sequência de blocos de acordes sustentados por um baixo. Fundamental para este tipo de textura é uma camada de acompanhamento ritmicamente estável que promova a continuidade, preenchendo as lacunas na melodia, contribuindo assim para “um legato vocal apoiado quando este sugere voos de fantasia ornamental e que une seus impulsivos contrastes de registro e dinâmica” (TEMPERLEY, 1975). O primeiro noturno de Field demonstra um bom exemplo na utilização destas texturas.
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TEMPERLEY, Nicholas. John Field and the First Nocturne. Oxford: Music & Letters, jul-oct 1975, V.56, nº 3/4, p.335-340.
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Fig.2: John Field – Nocturne nº 1, c.1-3.
Os Noturnos de Field são historicamente importantes por contemplarem uma escrita idiomática, explorando os sons disponíveis principalmente nos pianos ingleses da fábrica Broadwood. O pedal de sustentação possibilitou a Field expandir a variedade de modelos de acompanhamento harmônicos. A elegância contida na linguagem musical de John Field e a criativa elaboração de seus desenhos pianísticos causaram forte impressão nos compositores românticos, especialmente em Chopin, que admirava muito a execução pianística de Field assim como suas composições. No período entre 1802 e 1808, Field dedicou-se intensamente à composição e alguns musicólogos acreditam que seu Concerto para piano e orquestra nº 1 é o melhor exemplo da produção deste período. Patrick Piggott15 considera o movimento lento deste concerto sua primeira tentativa de elaboração do gênero noturno.
Fig. 3: John Field - Concerto para piano e orquestra n° 1 em Mi bemol maior, 2° movimento, c. 1-4.
Apesar de Piggot justificar este movimento como precursor do gênero noturno, podemos assinalar que a Sonata op. 2, composta em 1800 ou 1801 por John Field (que tinha o hábito de sempre revisar suas obras, deixando, às vezes, margem de dúvida na precisão das datas das suas composições), já apresentava traços marcantes na ornamentação
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Apud TEMPERLEY (1980, V. 6, p. 534-5).
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melódica e na textura do acompanhamento - elementos da textura musical que seriam explorados mais tarde nos seus Noturnos. A primeira intenção de Field foi chamar seus noturnos de Romances16, uma palavra associada a termos da poesia romântica, que ocasionalmente foi utilizada em peças instrumentais. Seus 16 Noturnos e peças associadas ao mesmo gênero, nomeadas Pastoral, Serenata e inclusive Romance, foram talvez as obras de maior influência na música para piano do começo do Romantismo17. A publicação de seu primeiro noturno em 1812 difere em alguns detalhes da edição de dois anos depois. Muitas evidências mostram que Field experimentou diferentes títulos para a mesma obra. Seu sexto noturno, por exemplo, possui o subtítulo Berceuse entre parêntesis. Outra evidência também aparece na edição Breitkopf & Härtel de seus Noturnos Op. 9, quando em 1815 foram chamados de Trois Romances. Em outras obras, Field confere ainda o nome de Pastoral. De acordo com Liszt, que escreveu o prefácio da primeira coletânea dos Noturnos de Field (Leipzig, 1859), os Noturnos do compositor irlandês “abriram caminho para todas as produções que apareceram sob diversos títulos, como Canções sem Palavras, Improvisos, Baladas, Intermezzo” - a essência da literatura pianística romântica com suas miniaturas ou pequenas peças. Outra forma de manifestação musical teria um papel de extrema importância no repertório pianístico e especialmente na obra de John Field: a ópera. As melodias dos seus Noturnos, que ele apresentou na Rússia no início do século XIX, transferiram para o teclado a cantilena da ópera italiana. Ao público acostumado a ser deslumbrado mais do que emocionado por instrumentistas brilhantes, deve ter sido uma experiência nova ouvir um artista que poderia criar a ilusão de fazer o piano cantar, e que poderia expressar emoção e sentimento romântico sem a ajuda da força emotiva das palavras18.
Dahlhaus19 afirma que esta “sonoridade” era frequentemente evocada na memória de compositores e ouvintes quando atrelada aos 16
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David Rowland esclarece que os termos nocturne e romance eram usados de forma equivalente no início do século XIX, pois a terminologia utilizada pelos compositores da época era flexível. 17 Neste período um vasto número de composições foi escrito para piano solo, como rondós e variações com temas populares demonstrando a preferência dos editores de música desta época pela publicação deste repertório e ao mesmo tempo visando atingir o interesse de músicos amadores ávidos por conhecer e tocar este tipo de repertório. 18 PIGGOT, Patrick. John Field and the Nocturne. Proceedings of the Royal Music Association. 95th Session, 1968-1969, p.55. 19 DAHLHAUS, Carl. Nineteenth-Century Music. University of California Press, 1989, pag.88.
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gêneros vocais, das quais essas obras de piano evoluíram tanto enquanto princípios de composição como na percepção estética. Tal descrição aponta para o papel muito significativo da música vocal para o entendimento da música instrumental durante a primeira metade do século XIX. Chopin e a consolidação do gênero Chopin elevou a um novo patamar a forma criada por Field, conferindo ao gênero uma nova perspectiva. Os vinte e um Noturnos de Chopin ocupam um lugar proeminente na literatura pianística, pois o compositor expande consideravelmente as simples texturas de acompanhamento propostas anteriormente por Field e adiciona drama nas seções centrais como forma de intensificar o discurso musical. Enquanto Field ornamenta pequenas passagens em suas linhas melódicas, sem alterar suas características, Chopin desenvolve e transforma seus temas de maneira mais elaborada. Podemos acrescentar ainda que a harmonia chopiniana percorre caminhos mais audaciosos, valorizando o timbre da melodia e criando complexas tramas polifônicas. Especula-se que o primeiro contato de Chopin com o gênero noturno ocorreu por meio das composições da pianista e compositora polonesa Maria Szymanowska (1789-1831). Szymanowska mantinha em seu repertório obras de seus contemporâneos, dentre os quais Field, cujos noturnos ela certamente conheceu em tournée realizada entre 1822-23 na Rússia, onde o compositor irlandês residia naquele período. Comparando o primeiro noturno de Field com o primeiro de Chopin se observa que a forma difere em muitos aspectos. Enquanto Field escreve claramente um ABA, com harmonia e linhas melódicas extremamente simples, Chopin escreve um ABA muito mais complexo, com frases irregulares e grande quantidade de melismas em sua melodia: herança das cavatinas operísticas de Bellini e Donizetti.
Fig.4: John Field – Noturno nº 1, c.1-3.
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Fig.5: Chopin – Noturno opus póstumo 72 nº1, c.31-4.
Além da linha melódica mais ornamentada, outro detalhe que nos desperta a atenção, comparando os dois noturnos, é a diferença no tratamento da textura harmônica do acompanhamento entre o primeiro noturno de Field e o Noturno op. 72 nº1 em Mi menor de Chopin20. Enquanto Field mantém o acompanhamento dos arpejos numa concordância harmônica com a linha melódica, Chopin estabelece uma estrutura harmônica mais ousada, com a inclusão de intervalos dissonantes na finalização dos arpejos. Outro aspecto diz respeito ao efeito da ressonância obtida por Chopin na distribuição dos arpejos. A textura espaçada em décimas dos arpejos da mão esquerda no Noturno op.72 em Mi menor permite uma ressonância mais eficiente da estrutura harmônica se compararmos com a textura dos Noturnos de Field. De modo geral, a forma estrutural dos noturnos para piano empregada por Chopin é a forma ternária ABA, seguindo o modelo de Field. Outras variantes poderão ocorrer, como o ABCA. Tal estrutura deriva das cavatinas - pequenas árias de ópera sem repetição. Os últimos noturnos acabaram por dispensar uma rígida consideração formal, baseando-se na variação melódica, harmônica e do acompanhamento para alcançar na exposição um estado de espírito evocado sem a assistência de um texto. A influência do bel canto italiano é uma marca indelével na construção da linha melódica ornamentada dos noturnos chopinianos. Chopin admirava os cantores italianos e sempre aconselhava aos seus
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O Noturno op. 72 nº 1 foi composto em 1827 e publicado em 1855 (edição póstuma).
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alunos que procurassem imitar o legato e o portamento da voz na busca de um perfeito cantábile e que evitassem a todo custo a uma sonoridade percussiva do piano. Em certos noturnos a ornamentação é utilizada para viabilizar retardos melódicos expressivos – tal como podemos observar no início do Noturno Op. 62 nº1:
Fig.6: Chopin - Noturno op. 62 nº 1, c. 1-5.
Outra influência do bel canto nos noturnos de Chopin é a presença do dobramento de intervalos (terças e sextas) na linha melódica como forma de aludir às texturas de duetos operísticos:
Fig.: Chopin - Noturno op. 62 nº 1, c. 1-5.
É válido destacar que o noturno chopiniano não se restringe apenas a uma melodia acompanhada por acordes e arpejos, bem como embora esta melodia apareça primordialmente na região aguda do piano, não possa aparecer também em outras regiões do teclado. No Noturno Op. 55 n° 1, por exemplo, Chopin introduz um contraponto melódico no registro médio do piano, justaposto a uma textura de arpejos no registro agudo, que serve como prolongamento das ressonâncias dos alicerces harmônicos. A maestria da manipulação do timbre na busca de uma orquestração essencialmente pianística pode ser observada na seguinte passagem:
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Fig. 8: Chopin - Noturno Op. 55 n°1, c. 86-88.
Outro exemplo de deslocamento do registro melódico ocorre na seção Con fuoco do Noturno Op. 15 n° 1, onde o acompanhamento harmônico é transposto para mão direita e a articulação melódica é confiada à mão esquerda no registro grave do instrumento:
Fig. 9: Chopin - Noturno Op. 15 n° 1, c. 25-26
Esta seção do Noturno Op. 15 n° 1 ilustra como Chopin conferia dinamismo e contraste na construção da forma e na eloquência do discurso musical. A inserção de seções dramáticas e contrastantes nestas obras não foi uma exclusividade chopiniana, mas foi adotada também por Thalberg e Herz nos seus noturnos. David Rowland explica que a utilização de seções dramáticas na parte central dos noturnos pode ter nascido “a partir da influência da estrutura musical das árias de ópera da época1”. A melodia também pode estar configurada em uma escrita coral, como é o caso do Noturno Op. 37 n° 1, ou pode ser projetada na forma de um recitativo, herança da tradição do bel canto, em que se destaca o Noturno Op. 27 n° 1, pontuado com uma dramática declamação em oitavas.
Fig. 10: Chopin - Noturno op. 37 n° 1, c. 41-46.
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ROWLAND, David. Ibid. p.46
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Fig. 11: Chopin - Noturno op. 48 n° 1, c. 26-29.
Fig. 12: Chopin - Noturno op. 27 n° 1, c. 83, recitativo.
Os últimos noturnos de Chopin apresentam uma linguagem musical cada vez mais elaborada: a textura polifônica torna-se mais complexa, escalas modais às vezes são incluídas, buscando sonoridades distintas no contorno melódico (Noturno op. 62), pontuadas por acordes suspensivos e encadeamentos harmônicos inusitados. Em suma, as inovações harmônicas introduzidas por Chopin nas suas últimas obras abririam novos caminhos para compositores como Debussy e Scriabine. O noturno na música francesa De acordo com a pianista Marguerite Long22, os noturnos de Gabriel Fauré (1845-1924) são geralmente comparados aos noturnos de Chopin e na verdade têm certa semelhança. Ambos compositores exploram nestas obras a flexibilidade rítmica, textura de acompanhamento sofisticadas e melodias líricas. Os Noturnos de Fauré também usam ideias contrastantes e um episódio central, assim como uma seção final que Marguerite Long define como “uma resignação calma do todo”. Fauré também lembra Chopin na escolha das tonalidades dos seus noturnos, preferindo sempre as tonalidades repleta de bemóis, como forma de adaptar a mão do pianista à topografia do teclado. Por outro lado, Roy Howat23 afirma que os Noturnos de Fauré são mais singulares, além de apresentarem uso constante do modalismo 22
LONG, Marguerite. Au Piano avec Gabriel Fauré. Paris: R. Juilliard, 1963, p. 80. HOWAT, Roy. The Art of French Piano Music: Debussy, Ravel, Fauré, Chabrier. New Haven: Yale University Press, 2009, p. 65. 23
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e serem harmonicamente mais audaciosos. Devemos ressaltar que o estilo composicional de Fauré se afirmou entre o fim da era romântica e as primeiras décadas do século XX, e abrangeu um período em que os desdobramentos da linguagem musical foram particularmente rápidos. A evolução estilística de Fauré pode ser observada em suas obras para piano e é evidenciada principalmente nos seus noturnos. Os primeiros sete noturnos pertencem a primeira fase composicional de Fauré, onde as influências de Chopin e Saint-Saens permeiam a sua escrita pianística. O lirismo e a complexidade do seu estilo na década de 1890 são evidentes nos Noturnos n° 6 em Ré bemol e n° 7 em Dó sustenido menor. Não podemos negar que Fauré era mestre consumado na arte de construir uma melodia. A partir de uma única célula harmônica e rítmica, Fauré constrói melodias que se desdobram infinitamente e sempre despertam um interesse constante no ouvinte conforme podemos observar no próximo exemplo:
Fig.13: Fauré - Noturno n° 7, c. 17-18.
No seu último período composicional, Fauré seguiu um curso solitário e confiante, ignorando de certa forma as inovações propostas pelos jovens compositores de sua época. Os últimos noturnos revelam um compositor maduro e hábil na manipulação dos elementos estruturais. Nestas obras notamos a preocupação do compositor em dar continuidade e unidade ao discurso musical. Este aspecto é evidenciado na medida em que estas peças não apresentam seções claramente definidas nem mudanças radicais de andamento, métrica ou textura. A ousadia de harmonia e o enriquecimento da polifonia confere a Fauré um lugar de destaque na composição do século XX. As dissonâncias expressivas do Noturno n° 11 em Fá sustenido menor, o uso da escala de tons inteiros no Noturno n° 12 em Mi menor, o uso extensivo do cromatismo e a rapidez em suas modulações são
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características evidentes deste período. Podemos afirmar que os treze Noturnos de Fauré ocupam um lugar privilegiado na literatura pianística.
Fig.14: Fauré - Noturno n° 12, c. 37-38.
As primeiras obras compostas por Claude Debussy entre 1888 e 1890 - as duas Arabesques, Balada, Mazurka, Rêverie, Noturno e Valsa Romântica, são testemunhas da sua ligação com as peças características românticas. O Noturno em Ré bemol maior foi publicado em 1890 com o nome de Interlúdio. Porém, este título foi descartado por Debussy em 1892, que preferiu rebatizar a obra como Noturno. Sem descaracterizar o gênero noturno, Debussy (1862-1918) mantém a forma ternária ABA, porém com certas peculiaridades. O Noturno se inicia com um recitativo de cinco compassos (aliás, o mesmo procedimento adotado na introdução da sua Balada para piano). Este gesto introdutório, permeado por arpejos de acordes suspensivos, dá margem a uma ideia improvisatória. Porém, este gesto anuncia, de forma velada, o episódio central da obra que será relembrado na Coda. Logo a seguir, Debussy apresenta o tema principal do Noturno em Ré bemol maior denotando contornos à la Fauré, como se fosse a revelação de um enigma dissipado pela “névoa harmônica” dos arpejos do recitativo inicial.
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Fig. 15: Claude Debussy - Noturno em Ré bemol maior, c. 1-7.
No decorrer do noturno, Debussy recorre a uma canção popular com o intuito de romper com a regularidade métrica e envolver a música numa ambientação sonora particular: a canção evoca uma vaga lembrança da música dos compositores russos, que o mestre francês tanto admirava.
Fig.16: Debussy – Noturne, c. 32-33.
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Apesar do número significativo de composições, a obra para piano de Francis Poulenc (1900-1963) não é conhecida na sua totalidade e apenas algumas peças são executadas com maior frequência nas salas de concerto, tais como os Trois Mouvements perpétuels e a Toccata. Dentre as obras que merecem ser mais conhecidas pelo público, podemos citar os Oito Noturnos compostos entre 1929 e 1938. O compositor americano Ned Rorem oferece uma interessante descrição dos recursos harmônicos de Poulenc: Considere como ponto de partida a harmonia de Chopin mesclada com as sétimas maiores de Ravel, as tríades de Fauré, as nonas menores de Debussy e as quartas aumentadas de Musssorgsky’s. Filtre todas estas influências acrescentado os acordes de sextas juntadas derivados da música de Satie, misturados com uma pitada de Couperin, adicionando uma quarta parte de Stravinsky, e, assim, você obterá a harmonia de Poulenc24.
O comentário original de Rorem poderia nos induzir a uma velada ironia, deixando dúvidas quanto à inequívoca originalidade da linguagem musical de Poulenc. Muito pelo contrário, Poulenc soube explorar, de maneira bastante pessoal, todas as novas possibilidades da música do século XX. Os Noturnos de Poulenc servem como ótimo exemplo para revelar uma linguagem musical sofisticada e original, que serviria de base para outros compositores de noturnos para piano do século XX. Apesar do apogeu do noturno para piano ter alcançado excelência com Chopin, o gênero continuou a ser difundido por compositores do século XX como Scriabin (1872-1915), Britten (1913-1946), Copland (1900-1990) e Samuel Barber (1910-1981), com o Noturno em Homenagem a John Field. O lirismo efusivo que caracterizou muitos dos noturnos de Field e Chopin foi substituído por uma tentativa de capturar as visões fervorosas sobre a noite. Em alguns noturnos notamos uma tendência para contornos neo-românticos, ao passo que outros compositores introduziram novos recursos da escritura pianística do século XX (como clusters) como forma de criar novos timbres e sonoridades inusitadas.
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ROREM, Ned. Francis Poulenc. In A Ned Rorem Reader. New Haven: Yale University Press, 2001, p. 276.
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O noturno para piano no Brasil O Romantismo delineia uma importante transformação no cenário musical brasileiro. A partir do século XIX se nota uma série de atividades relacionadas à presença da música na vida urbana em algumas cidades do Brasil (principalmente em centros como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo). Nestas cidades são criados clubes musicais, os teatros, as salas de concerto. Paralelamente, surgem os periódicos especializados e a crítica musical como forma de divulgar os eventos musicais. A importação e fabricação de instrumentos musicais se torna um negócio lucrativo e ao mesmo tempo transforma o piano num forte referencial de elevação do status social. A expansão extraordinária que teve o piano dentro da burguesia do Império foi perfeitamente lógica e mesmo necessária. Instrumento completo, ao mesmo tempo solista e acompanhador do canto humano... Era o instrumento por excelência da música do amor socializado com casamento e bênção divina, tão necessário à família como o leito nupcial e a mesa de jantar25.
Um acontecimento marcante nesta época foi a vinda do renomado pianista Sigismund Thalberg (1812-1871) ao Rio de Janeiro, em 1855. A presença de um virtuose consumado como Thalberg corroborou, em parte, para maior inserção do piano nas salas de concerto do Brasil: “com seu exemplo, Thalberg vai renovar o conceito em que o piano era tido no país. De simples instrumento de salão, o piano passa a ser objeto de atenção mais séria, mas rica de consequências artísticas”.26 Outro virtuose que aportou em terras brasileiras no século XIX foi o pianista norte-americano Louis Moureau Gottschalk (1829-1869). Apresentando-se pela primeira vez em 1869 no salão da Sociedade Philarmônica Fluminense, Gottschalk combinava com maestria um repertório de danças regionais de Nova Orléans e fantasias sobre árias de ópera. Em homenagem à calorosa acolhida do público brasileiro, Gottschalk compôs a Fantaisie Triomphal sur l’Hymne National Brésilien Op. 69. Observando os programas de concerto deste período, notamos que tanto Thalberg quanto Gottschalk privilegiavam um repertório centrado na transcrição operística. O primeiro concerto de
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25 ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Coleção Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro, 1967, vol. 1, p.12. 26 ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Coleção Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro, 1967, vol. 1, p. 231 (apud KIEFER, 1977, p. 72).
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Thalberg “não foge à regra do gosto da época, misturando números orquestrais, instrumentais e vocais.27” Valorizando a virtuosidade, os programas dessa época, constituídos de um repertório “leve” e de fácil assimilação, visavam causar um impacto imediato no público burguês, ainda não habituado a um repertório mais complexo. A disseminação de um repertório mais “sério” iria acontecer somente a partir da criação de sociedades musicais. Estas sociedades muitas vezes denominadas de clubes, tais como o Clube Mozart (186789), Clube Beethoven (1882-89), Sociedade dos Concertos Clássicos (1883-89), no Rio de Janeiro, e o Clube Haydn (1883-91), em São Paulo, tiveram uma seminal importância na vida musical brasileira. A função destas sociedades era cultivar a música vocal e instrumental proporcionando também o ensino da música aos seus associados. É justamente neste período que começam a surgir os primeiros noturnos para piano no Brasil. Henrique Oswald É bem provável que Henrique Oswald (1852-1931) seja o primeiro compositor brasileiro a explorar o gênero noturno para piano. Todavia, esta afirmativa é ainda cercada de uma certa margem de especulação, pois os Noturnos op. 6 compostos por Oswald não possuem indicação da data de composição. É possível que estes noturnos tenham sido escritos entre as décadas de 1870 e 1880, já que seu Trio Op. 9 é de 1884. Além destes noturnos, Oswald também compôs as Sei Pezzi op. 14 (Mazurka, Tarantelle, Barcarolle, Notturno, Scherzo) – do mesmo modo manuscritos não datados. Apesar de seus estudos terem sido realizados em Florença, na Itália, a música para piano de Henrique Oswald aponta influências do Romantismo francês. Os Noturnos op. 6 n° 1 e 2 mostram claramente as influências de Fauré em diversos aspectos como harmonia, forma, contraponto e escrita idiomática para piano.
27 FARIA, Paulo Rogério Campos de. Pianismo de concerto no Rio de Janeiro do século XIX. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996, p.142.
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Fig. 17: Henrique Oswald - Noturno Op. 6 n° 1, c. 1-2.
No Noturno op. 6 nº 2 Henrique Oswald desloca o contorno melódico para a mão esquerda e reafirma a predileção da utilização de suspensões harmônicas à la Fauré.
Fig.18: Henrique Oswald - Noturno Op. 6 n° 2, c. 1-9.
A obra mais conhecida de Henrique Oswald não são os seus Noturnos, mas a peça para piano Il Neige, premiada em 1907 num concurso promovido pelo Jornal parisiense Le Figaro. Leopoldo Miguez Leopoldo Miguez (1850-1902)28 dedicou poucas páginas à produção pianística, mas não podemos negar a importância dos seus
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Natural de Niterói, Miguez foi o primeiro diretor do Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro (atualmente Escola de Música da UFRJ), cuja gestão durou de 1890 a 1902.
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noturnos para piano. O compositor tinha um grande fascínio por Wagner e Liszt, que de certa forma pode ser notado em suas obras. O Noturno op.10 se inicia sobre notas pedais dando margem a uma ampla ressonância harmônica, que serve como introdução ao material melódico. Contudo, o que nos desperta a atenção nos compassos iniciais desta obra é a inclusão de uma harmonia quartal no contorno melódico do terceiro compasso - um recurso harmônico ainda pouco explorado pelos compositores brasileiros daquela época.
Fig. 19: Miguez - Noturno Op. 10, c. 1-6, tema inicial.
A seção central do Noturno de Leopoldo Miguez apresenta um processo cumulativo de insistências melódicas baseadas em pequenas frases para preparar o ponto culminante da seção.
Fig. 20: Leopoldo Miguez - Noturno Op. 10, c. 26-27.
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Fig. 21: Leopoldo Miguez - Noturno p. 10, c. 35-36 - ponto culminante.
O dobramento em oitavas proposto pelo compositor nesta seção da obra (Fig.15) denota a influência operística na elaboração de texturas pianísticas que pudessem traduzir as inflexões de uma declamação vocal. Na reexposição do tema Leopoldo Miguez utiliza uma textura pianística muito característica de Thalberg, denominada pejorativamente de “truque de Thalberg”. O “truque” consistia numa engenhosa distribuição das texturas pianísticas: a melodia era confiada ao registro central do instrumento (partilhada pelos polegares) e circundada por texturas arpejadas nas outras vozes, dando a impressão de haver três mãos tocando ao mesmo tempo. Miguez incorpora esta técnica no Noturno op.10, revelando ao mesmo tempo uma nova perspectiva sonora, pois a linha do canto transposta no registro grave revela o timbre de outra voz, que parece responder ao contorno melódico do início da obra.
Fig. 22: Leopoldo Miguez - Noturno op.10 - reexposição.
O Noturno de Leopoldo Miguez sintetiza perfeitamente a predileção do compositor pelas heranças harmônicas de Wagner e Liszt, mas sem esquecer o legado dos noturnos chopinianos.
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Alberto Nepomuceno Alberto Nepomuceno (1864-1920), considerado um dos precursores do folclorismo musical brasileiro, legou uma vasta obra de diferentes gêneros musicais. A obra para piano abrange mais de 50 peças. Dentre as obras mais conhecidas podemos destacar a Suíte Antiga (1893), Quatro Peças Líricas (1895), Tema e Variações em Lá menor (1905) e os Noturnos para piano (1910). Trata-se de um repertório composto por um profundo conhecedor de todas as possibilidades técnicas do instrumento. Sem dúvida, um dos momentos mais significativos na vida de Nepomuceno foi o encontro com Edward Grieg (1843-1907) durante seus estudos de aperfeiçoamento realizados na Europa entre 1888-1895. O compositor norueguês, considerado então o difusor do folclore de seu país, preconizava a vertente do movimento romântico que pregava o retorno às origens nacionais e populares. Seguindo os conselhos de Grieg, Alberto Nepomuceno começa a compor canções com textos dos principais poetas brasileiros e portugueses, abrindo “as portas de um nacionalismo [sic] musical brasileiro sob uma perspectiva inédita até aquele momento29” Em seu retorno ao Brasil em 1895 apresentou pela primeira vez, no Instituto Nacional de Música, um recital com uma série de canções em português de sua autoria. Após este evento a polêmica tomou conta da imprensa e Nepomuceno travou uma verdadeira batalha em prol do folclorismo musical brasileiro. Seu maior oponente era o crítico Oscar Guanabarino30, que afirmava que a língua portuguesa era inadequada para o bel canto. Entretanto, Guanabarino nunca negou as qualidades do compositor, como mostra a crítica apresentada pelo Jornal do Comércio a 30 de agosto de 1906: Terminou o concerto o Prelúdio da comédia lírica O Guaratuja. A propósito deste trecho, já dissemos que ele só poderia ter sido escrito pelo fundador da Música Brasileira e esse é o título devido ao Sr. Alberto Nepomuceno, de todos os nossos compositores o mais original e principalmente o mais brasileiro, senão o único31.
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CARVALHO, Flávio Cardoso de. A ópera “Abul” de Alberto Nepomuceno e sua contribuição para o patrimônio musical brasileiro na primeira república. Tese de doutorado. Campinas: IA-Unicamp, 2005, p.9. Oscar Guanabarino de Sousa e Silva (1851-1937) foi crítico de arte, pianista e dramaturgo brasileiro. Sua atividade de maior destaque foi a crítica de arte periódica no Jornal do Comércio exercida entre 1879 e 1937. 31 bid. p.10. 30
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Não obstante o crítico fluminense ter olvidado um nome ainda mais importante enquanto precursor do folclorismo musical brasileiro, que foi justamente o compositor paulistano Alexandre Levy (18641892), sua crítica tem o mérito de ser uma das primeiras a enaltecer a importância de Alberto Nepomuceno. De fato, Nepomuceno viveu sob duas influências distintas: de um lado a vertente de um Romantismo que só admitia a arte do bel canto italiano como forma de expressão e, de outro, a procura de uma voz que semeasse os ideais de uma música com contornos folcloristas. Este contorno nacionalista iria se manifestar principalmente na obra A Galhofeira das Quatro Peças Líricas op.13, onde Nepomuceno transforma um maxixe popular numa pequena obra prima. Os Noturnos para piano de Alberto Nepomuceno aderem à poética romântica traduzindo fielmente os moldes chopinianos da melodia acompanhada. O Noturno op. 33 foi composto em 1907 e perpetua um lirismo oriundo de suas próprias canções no que se refere ao tratamento do contorno melódico. Toda a seção “A” deste noturno permanece numa tonalidade suspensa. O contorno melódico inicial, escrito em Mi bemol lídio, demonstra a admiração de Nepomuceno pelo modalismo exótico utilizado pelos compositores franceses deste período e pelo emprego de acordes suspensivos como forma de criar ambiguidade no discurso musical.
Fig. 23: Alberto Nepomuceno - Noturno Op. 33, c. 1-3.
Além do Noturno Op. 33, Nepomuceno ainda escreveria dois noturnos para mão esquerda (1910 e 1912). O segundo noturno, dedicado à sua filha Sigrid, apresenta o mesmo domínio técnico das transcrições para mão esquerda de Brahms.
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Fig. 24: Alberto Nepomuceno - Noturno nº 2 para mão esquerda, c. 1-4.
Ernesto Nazareth Certamente a maior contribuição de Ernesto Nazareth (18631934) para a música brasileira foram os 90 tangos brasileiros, hoje conhecidos como choros brasileiros. Osvaldo Lacerda enaltece as composições para piano de Nazareth, comparando-o às mazurcas de Chopin: “Nazareth teria feito no Brasil o que Chopin fez na Polônia, que elevou uma dança popular como a mazurca ao nível de grande arte”.32 Segundo Mario de Andrade33, a obra de Chopin teria exercido uma forte influência sobre Nazareth: Duma feita, a uma pergunta proposital que fiz pra ele, Ernesto Nazareth me contou que executara muito Chopin. [...] O cultivo entusiasmado da obra Chopiniana lhe deu além desta qualidade permanente e geral que é a adaptação ao instrumento empregado, o pianístico mais acentuado de certas passagens como a 3ª parte do Carioca, ou tal momento do Nenê. Ainda é chopiniana demonstrada no Sarambeque, no Floraux, na 4ª parte do esparramado Ramirinho, de melodizar em acordes tão contra a essência da música popular34.
Constata-se a própria admiração de Nazareth por Chopin, quando este compõe em 1920, o Noturno Op. 1. Marcelo Verzoni sugere que
o fato de ter classificado o seu Noturno – peça de inspiração absolutamente chopiniana – como ‘opus 1’ (...) [após] mais de 120 peças publicadas (...) faz-nos imaginar que ele [a] encarasse (...) como pertencente a um outro universo; eventualmente mais ‘erudito’35 .
Apud DIAS, Alexandre Ferreira de Souza. Influência na obra pianística de Ernesto Nazareth. Ensaio, 2008, p.5. Apud FARIA, Antonio Guerreiro de. O pianismo de Nazareth em tempo rubato. PerMusi, vol.10 p.89-95, 2004, p.90. 34 Ibid. 35 Apud DIAS, Alexandre Ferreira de Souza. Influência na obra pianística de Ernesto Nazareth. Ensaio, 2008, p.6. 32
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O texto musical apresentado por Nazareth no Noturno Op. 1 denota características próximas a procedimentos peculiares ao Romantismo. A forma elaborada pelo compositor, um ABA e Coda, uma melodia extremamente ornamentada e as tonalidades utilizadas (Sol bemol maior, Ré bemol maior e Si maior) são elementos composicionais muito mais próximos à música de concerto do que do repertório de salão. “É ainda nas passagens virtuosísticas, na maneira como representa os acordes arpejados do acompanhamento e nos ornamentos colocados no decorrer das inflexões melódicas que o lirismo de Chopin é igualmente sentido”.36
Fig. 25: Alberto Nepomuceno - Noturno Op. 33, c. 1-3.
Lorenzo Fernandez Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948) iniciou seus estudos de música tardiamente, após abandonar os estudos de medicina. Aos 20 anos ingressou no Instituto Nacional de Música, onde estudou piano com Henrique Oswald e matérias teóricas e composição com Frederico Nascimento, Francisco Braga e Luciano Gallet, recebendo também a orientação de Alberto Nepomuceno. Começou a se destacar como compositor por meio da Sociedade de Cultura Musical (1920-1926), como um dos seus fundadores. No ano de 1922, recebeu o primeiro prêmio do concurso de composição promovido por esta sociedade, com o Noturno Op. 3 e Arabesca, ambos para piano solo, projetando seu nome definitivamente no cenário musical brasileiro. O Noturno Op. 3 pertence ao seu primeiro período composicional (1918-1922), ainda sob influência do impressionismo francês37. Lorenzo Fernandez abre este Noturno com uma textura pianística típica 36
Ibid. p.872. Segundo período (1922-1938), ponto alto de sua produção, período neofolclorista, com a utilização de temas folclóricos. Terceiro período (1938-1942), período universalista, com o uso do atonalismo, também associado à temática folclorista. 37
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do impressionismo, utilizando um acorde acrescido de sexta envolvido em sonoridades diáfanas. O primeiro tema deste noturno apresenta uma das técnicas de composição bastante exploradas por compositores como Ravel e Debussy. Fernandez combina a estrutura tonal do acompanhamento, neste caso em Mi bemol maior, com uma melodia hexacordal. Há ainda diferentes características impressionistas que delimitam este noturno, como a combinação de tonalidades distantes em diferentes seções do noturno (Mi bemol maior e Dó sustenido menor), escalas exóticas como elemento de preenchimento harmônico (seção B) e escalas modais como forma de ambientação sonora.
Fig. 26: Lorenzo Fernandez - Noturno Op. 3, c. 1-2 - textura pianística impressionista
Este noturno ainda denota um jovem compositor em formação e sem um compromisso com a tendência neofolclorista. Lorenzo Fernandez somente iria manifestar sua vertente nacionalista mais tarde nas Suítes Brasileiras para piano e no Batuque para orquestra – sua obra mais conhecida. Heitor Villa-Lobos Em 1949, a UNESCO promoveu uma série de eventos na França, a fim de comemorar o primeiro centenário da morte de Frédéric Chopin. Um destes eventos consistiu na proposta de encomenda de composições, escritas especialmente para esta ocasião, realizadas por um número de compositores vivos de renome. Onze compositores38 aceitaram o pedido da UNESCO para escrever uma obra em memória de Chopin, dentre eles Heitor VillaHoward Hanson, Lennox Berkeley, Carlos Chávez, Oscar Esplá, Jacques Ibert, Florent Schmitt, Alexandre Tansman, Gian Francesco Malipiero, Bohuslav Martinu, Andrzej Panufnik e Heitor Villa-Lobos. 38
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Lobos, com Hommage à Chopin: Nocturne et Ballade39, que foi interpretado pelo pianista Arnaldo Estrella (1908-1980), em concerto de gala em 3 de outubro de 1949, na Salle Gaveau, em Paris. Arnaldo Estrella considerava Villa-Lobos um dos grandes compositores da literatura pianística do século XX, tal como Chopin, no século XIX. Acrescenta Arnaldo Estrella: Essa presença [de Villa-Lobos] foi e continua sendo uma constante de minha vida profissional. No primeiro concerto público de que participei, toquei Chopin e Villa-Lobos, dois autores de que nunca mais me desliguei, (...). [Chopin e Villa-Lobos], assim, de par, vão bem. Polonês, exilado, internacional, Chopin carregou em suas raízes artísticas, pela vida afora, terra da Polônia; as longas ausências, a glória internacional, as voltas ao mundo, arraigavam VillaLobos profundamente ao seu Brasil40.
A Hommage à Chopin pontua universos sonoros distintos. Villa-Lobos reverencia o mestre polonês, mas não perde sua assinatura musical. O Noturno apresenta textura densa e uma linguagem pianística que lhe é sempre peculiar: a oposição dos registros do instrumento como forma de orquestração pianística. O início do noturno é original. Villalobos introduz um cluster criando uma grande área de ressonância, de onde reverbera a textura do acompanhamento harmônico na mão direita. Além de conferir fluência ao discurso musical, funciona como suporte sólido para o canto da linha melódica, apresentado pela mão esquerda na região médio-grave do piano. A cantilena disposta em sequências descendentes sugere talvez a lembrança dos noturnos chopinianos, mas a ambientação sonora proposta pelo compositor já assinala traços característicos da canção popular brasileira.
Fig. 27: Villa-Lobos - Hommage à Chopin, Nocturne, cc. 1-3. 39
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Além de Villa-Lobos, três dos compositores acima mencionados escreveram trabalhos para piano solo: Oscar Esplá - Sonate Espagnole, Lennox Berkeley - Trois Mazurkas, e Carlos Chávez - Hommage à Chopin: Étude. Os outros compositores escreveram música de câmara instrumental e vocal, em uma variedade de combinações. 40 Arnaldo Estrella, Villa-Lobos, In Presença de Villa-Lobos. Vol. I. Rio de Janeiro: MEC – Museu Villa-Lobos, 1965, p.28.
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Na seção “B” do Noturno, cada uma das três vozes se encontra no registro grave do piano. Segundo Lucia Barrenechea, “a ausência de sons no soprano e no contralto cria uma atmosfera sombria e contribui para a variedade de cores no Nocturne” (BARRENECHEA, 2000, p. 55).
Fig. 28: Villa-Lobos - Hommage à Chopin, Nocturne, c. 10-11 - início da seção “B”
As texturas pianísticas e os efeitos de ressonância obtidos por Villa-Lobos nesta obra servirão de inspiração para os noturnos de Almeida Prado, como será visto no próximo capítulo.
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3. Os Noturnos para piano de Almeida Prado Os 14 Noturnos para piano de Almeida Prado foram escritos entre 1985 (primeiro caderno) e 1991 (segundo caderno). Estas obras possuem um significado importante, pois demarcam uma nova fase estilística na produção musical do compositor. Segundo Almeida Prado, depois da fase das Cartas Celestes eu não sabia aonde ir (...) Porque tem uma hora que você usa de tal maneira um sistema que você inventa, seja ele qual for que você começa a se xerocar (...) Eu passei um ano sem compor. Aí, eu resolvi entrar na barca do Pós-Moderno, que vale tudo (...), e comecei a reler os noturnos de Chopin, distorcendo e mudando um pouco (...) e a partir dessa ideia eu fiz um caderno de cinco noturnos. Depois eu fiz mais nove41.
A releitura dos noturnos chopinianos denota a preocupação do compositor em continuar explorando a vertente pós-moderna, mas por outro lado reafirma a tendência do compositor a não descartar a sua natural afinidade com a linguagem pianística da escola romântica: “Eu amo o piano, e penso piano, como Chopin, orquestro e penso nas suas ressonâncias” (apud GROSSO, 1997). Almeida Prado divide seus noturnos em “grandes ilhas” por demonstrarem particularidades distintas e por reunirem técnicas composicionais que englobam o ecletismo e pluralismo estilístico denotando sua adesão à poética pósmoderna. Os Noturnos de Almeida Prado não se restringem a uma mera releitura dos noturnos do mestre polonês, mas sim se consolidam enquanto trans-invenção de um gênero romântico, agora numa nova abordagem poético-sonora. Neste quesito, Villa-Lobos já tinha sido pioneiro quando compôs a Hommage à Chopin (obra já discutida no capítulo anterior), amplificando de forma considerável as ressonâncias das texturas pianísticas. Reler Chopin para Almeida Prado não significa imitá-lo, mas sim utilizar de certos arquétipos sonoros, tais como gestos de terminações fraseológicas e ornamentações melódicas de Chopin em seus noturnos. Almeida Prado os reapresentada em outro contexto, assim como o pintor espanhol Pablo Picasso distorceu o quadro As Meninas de Velásquez. Segundo Edson Sant’Ana,
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ALMEIDA PRADO, 1999 – Entrevista registrada em fita cassete em palestra realizada na Academia Brasileira de Música, Rio de Janeiro, maio de 1999.
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...a releitura possibilita que os materiais sejam ditos e organizados de forma distinta, com inovações, em outros padrões e organizações, e/ ou estabelecidos por semelhanças e gradações de variação. A intertextualidade abastece seu novo diálogo. A utilização de vários sistemas musicais propicia a Almeida Prado abrir leque ainda maior de opções nessa aproximação e distanciamento das referencias, seja dos materiais musicais como estruturas, bem como das estéticas múltiplas de cada sistema musical (SANT’ANA, 2012).
De fato, os noturnos de Almeida Prado demonstram plenamente que releitura não significa uma cópia propriamente dita dos noturnos chopinianos, mas sim o ponto de partida para novos experimentos sonoros. A intertextualidade “abastece este novo diálogo”, seja através de citações diretas ou indiretas, proporcionando ao ouvinte um verdadeiro trompe-lóreille. A análise dos Noturnos, desenvolvida a seguir, pretende ser um guia para o ouvinte na apreciação da gravação que acompanha este livro CD. Os Noturnos Noturno nº 1 No primeiro noturno eu pensei em Chopin, a melodia acompanhada, que vem de Field. Eu pensei no arquétipo chopiniano, que é um ABA, e fazer uma série...42
O primeiro noturno se inicia num longo arpejo distendido sobre um pedal harmônico de Ré bemol (evidenciando estruturas quartais) funcionando como um liberador das ressonâncias harmônicas e servindo de preparação para entrada da linha melódica43. A linha contínua e a flexibilidade rítmica do contorno melódico deste noturno lembram o processo composicional utilizado por Chopin nas suas cantilenas - um processo constante de transformação rítmica dos motivos musicais, resultando na impressão de uma melodia infinita e improvisada. Almeida Prado afirmou inúmeras vezes, em entrevistas, sua forte admiração pelo mestre polonês. Sendo assim, identificamos neste noturno a presença de trinados tipicamente chopinianos, como elementos estruturais de finalização fraseológica e utilizados pelo compositor no contexto de uma releitura pós-moderna. 42
Entrevista concedida a Thiago de Freitas. Chopin usou este tipo de preparação harmônica em inúmeros dos seus Noturnos para piano como forma de emular a cavatina das óperas italianas.
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Fig. 1: Almeida Prado - Noturno n° 1, c.1-6.
Simultaneamente, o processo de organização métrica utilizado por Almeida Prado neste noturno (entendidas como um rubato escrito), oferece ao intérprete um caminho para a projeção sonora da articulação melódica deste noturno. Ainda na seção “A”, notamos a presença de um glissando no compasso 8, na terminação do arabesco melódico. Podemos contextualizar este glissando sob diversos aspectos. Este elemento da técnica pianística pode ser considerado, neste trecho, uma tentativa de desconstrução do arabesco chopiniano, implicando num contexto pósmoderno de eliminar os aspectos previsíveis do discurso musical. Por outro lado, Almeida Prado utiliza o glissando como elemento condutor das ressonâncias no registro agudo do instrumento, criando a sensação de um “infinito sonoro” e dando margem ao caráter improvisatório desta passagem, conforme podemos observar no próximo exemplo (fig. 2).
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Fig. 2: Almeida Prado - Noturno n° 1, c. 8.
A seção “B” (c.11-24) introduz diferentes elementos contrastantes, tais como a mudança de andamento para Poco più mosso, além de mudanças de figuras rítmicas no acompanhamento. A inclusão de uma segunda voz na textura melódica lembra a textura polifônica dos noturnos chopinianos - conforme já foi mencionado no capítulo precedente, Chopin usava a polifonia das vozes como um recurso para evocar os duetos das árias de Bellini. A mesma seção “B” (c.11-24) é também pontuada por diferentes elementos contrastantes – Almeida Prado segue os moldes da estrutura chopiniana, onde a seção central de alguns noturnos é utilizada como um polarizador do drama musical. A seção central do Noturno op.15 nº1 revela este procedimento, pois a singela ária apresentada na seção “A”, em Fá maior, é bruscamente interrompida pela tempestuosa passagem em notas dobradas e na tonalidade sombria de Fá menor. O primeiro deles, entre os elementos contrastantes, é a mudança de andamento do Lento inicial (colcheia = 88) para Poco piú mosso (semínima = 63). A pulsação desta seção lembra a atmosfera de uma barcarola. Delssin (2006) aponta semelhanças entre esta seção do Noturno de Almeida Prado e a obra La Lúgubre Gôndola de Franz Liszt. De fato, ambas as peças apoiam as linhas fraseológicas sobre um pedal constante de Ré bemol, maior utilizando intervalos dissonantes (trítonos e sétimas maiores) no contorno melódico e a mesma fórmula de compasso 6/8.
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Fig. 3: Franz Liszt – La Lúgubre Gôndola, c.18-22.
Por outro lado, enquanto a obra de Liszt contextualiza uma atmosfera lúgubre, a segunda seção do Noturno de Almeida Prado, com a inclusão de uma sequência de sétimas paralelas, no compasso 19, denota a intenção do compositor de provocar uma velada ironia em relação ao estilo romântico.
Fig. 4: Almeida Prado - Noturno n° 1, c.11-20.
O retorno da seção “A” ocorre a partir do compasso 25, reapresentada por meio de engenhosa textura pianística. Almeida Prado distribui e alterna o material melódico nos registros médio e agudo do instrumento, criando interessantes possibilidades de timbres a serem explorados pelo intérprete.
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Fig. 5: Almeida Prado, Noturno n° 1, c. 24-27.
A partir do compasso 31, Almeida Prado apresenta um ostinato rítmico formando a ideia de um aglomerado harmônico sonoro. Esta ideia de compactação de harmonias em blocos sonoros é remanescente da sua obra para piano Cartas Celestes. O noturno se encerra numa longa reverberação do pólo harmônico de Ré bemol.
Fig. 6: Almeida Prado - Noturno n° 1, c.32-3
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Noturno n.º 2 Foi tão bonito, soou tão bem [o primeiro noturno], que eu resolvi fazer um outro que fosse mais elementar, que é o N° 2, quase tonal, com a melodia nitidamente acompanhada. Até lembra o começo da Sonata ao luar de Beethoven, que é um arquétipo44.
Almeida Prado inicia este noturno com uma pequena introdução de oito compassos, que serve de preparação para a atmosfera sugerida por meio da indicação literária – sereno, azul-arroxeado.
Fig. 7: Almeida Prado – Noturno nº 2, c.1-4.
Esta indicação poética antevê a atmosfera onírica desta obra e revela ao mesmo tempo o desejo de despertar uma imagem sonora no intérprete. A presença de um ostinato rítmico de acordes arpejados em quiálteras lembra a introdução da Sonata ao Luar de Beethoven, conforme atesta o compositor. Como já foi mencionado anteriormente, a intertextualidade se torna um fator constante nesta fase pós-moderna de Almeida Prado. Fragmentos de outras obras são citados ou readaptados com a finalidade de se criar novos significados musicais. Almeida Prado não elabora uma citação literal da obra de Beethoven, mas alude aos elementos da textura desta sonata (e.g. o desenho das quiálteras) tornando possível ao intérprete identificar um referencial conhecido: um arquétipo sonoro. O Noturno nº 2 adota uma forma mais simples em comparação ao noturno anterior e foge da estrutura ternária típica do modelo
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44
Ibid.
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chopiniano. Poderíamos resumir a estrutura formal em Introdução, Tema A e Coda. O noturno propriamente dito se inicia no que pode ser chamado de seção “A”, a partir do compasso 9, com anacruse e a indicação cantabile. Assim como Almeida Prado evoca a rememoração de outra obra, a melodia deste noturno retoma uma interessante citação, a da Valsa Op. 64 n° 3, de Chopin.
Fig. 8: Almeida Prado – Noturno n° 2, c. 9 Fig. 9: Chopin – Valsa Op. 64 n° 3
Porém o tema desta valsa, além de transposto, aparece em sua forma retrógrada a um semitom abaixo, no compasso 9, como mostra o esquema a seguir:
Fig. 10: Almeida Prado e Chopin - comparações motívicas.
Neste noturno os grandes arcos das linhas melódicas devem ser percebidos como um gesto único e indivisível. O pianista deve imaginarse como um cantor que procura projetar a frase musical através de uma respiração contínua evitando que a linha melódica seja quebrada. Além disso, o intérprete deve ter o cuidado de não transformar o compasso quaternário numa divisão binária composta em 6/8, o que resultaria em
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acentos fora do contexto da prosódia musical. Neste aspecto, Almeida Prado sabiamente alterna fórmulas de compasso permitindo a expansãocontração dos acentos métricos e libertando a frase dos limites das barras de compasso. O noturno apresenta uma breve recapitulação no compasso 16. Almeida Prado conduz a obra através de um desenvolvimento constante do material temático através de modulações contínuas e remotas atingindo o registro agudo do instrumento no compasso 22. Um trinado lembrando as pontuações cadenciais chopinianas surge no compasso 26, criando ao mesmo tempo uma suspensão no discurso musical e conduzindo a obra ao recomeço.
Fig. 11: Almeida Prado – Noturno nº 2, c. 21-26.
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Noturno nº 3 O Noturno nº 3 é um noturno abstrato, não há uma melodia que possa ser assobiada, é um jogo de intervalos. Nisso eu acho ele abstrato. É um noturno que já cansou da melodia acompanhada e entrou no exercício abstrato. Tem um espírito de Chopin, mas eu o considero mais próximo de Brahms. Brahms muitas vezes fica nesse jogo abstrato, como no Klavierstücke, a melodia flutua, são climas...45
Apesar de Almeida Prado considerar este noturno como abstrato, a obra é bem construída, seguindo os moldes da típica forma ternária ABA. O compositor segue os moldes de alguns noturnos chopinianos, direcionando o clímax da tensão musical para a seção “B”, incluindo um recitativo dramático. A indicação de andamento Very calm, nightly, like starlight (muito calmo, noturno, como um brilho de uma estrela) define a ambientação sonora desejada pelo compositor e demonstra o seu fascínio em sonorizar os ambientes celestes. Todavia, o que é inusitado neste noturno é a utilização de uma textura que rompe com a tradicional textura da melodia acompanhada – uma das características principais do noturno romântico. Nesta obra o jogo de espelhos de pergunta e resposta do motivo condutor Ré-Si forma praticamente um ostinato hipnótico entre as duas mãos revelando uma textura pianística praticamente indissociável. Almeida Prado transfere para este noturno a ideia plástica do cosmos explorada em Cartas Celestes.
Fig. 12: Almeida Prado – Noturno nº 3, c. 1-5.
45 Nesta citação Almeida Prado talvez estivesse fazendo alusão ao Intermezzo das Peças de Fantasia (Klavierstücke) op. 116 nº 5. Nesta obra Brahms unifica na mesma textura elementos harmônicos e melódicos formando praticamente um bloco monolítico.
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O compositor se espelha no mesmo princípio da construção fraseológica de Brahms, onde a “tirania da barra de compasso” é extrapolada através dos constantes deslocamentos métricos. Por exemplo, o acento expressivo no Fá sustenido, no sexto compasso, define claramente a intenção de um deslocamento das acentuações métricas para além dos tempos fortes. Examinando os impulsos rítmicos desde a introdução do noturno, notamos que o motivo condutor Ré-Si, através das inúmeras figurações sincopadas, parece “vagar numa órbita infinita” e finalmente encontra um ponto de apoio temporário neste fá sustenido.
Fig. 13: - Almeida Prado – Noturno nº 3, c.4-7.
A seção “B” deste noturno é baseada nas texturas de ressonâncias das Cartas Celestes, onde notamos elementos da linguagem pianística do século XX, tais como aglomerados de notas arpejadas formando clusters e construções melódicas baseadas em estruturas quartais. Logo após a progressão dos clusters, Almeida Prado polariza o discurso musical com um recitativo dramático em uníssono. Neste trecho notamos a inversão do motivo gerador (Ré-Si), pois a ressonância da primeira nota do cluster do compasso 18 (nota Si na região grave do instrumento) serve como ponte sonora para a nota Ré do registro agudo do instrumento. Interessante ressaltar que apesar da concepção abstrata mencionada pelo compositor anteriormente, existe uma forte interdependência dos motivos formando um todo coerente.
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Fig. 14: Almeida Prado – Noturno nº 3, seção “B”, c.18-19.
A obra atinge o clímax no compasso 32, onde terças duplas pontuam o moto inicial em fortíssimo, gerando um acúmulo de ressonâncias sonoras. O Noturno termina de forma enigmática e suspensiva, relembrando a atmosfera inicial.
Fig. 15: Almeida Prado – Noturno nº 3, c.31-34.
Noturno nº 4 - À Dona Anita Bove Ela [Dona Anita Bove] havia me pedido uma música que pudesse ser cantada, assim como você canta um noturno de Chopin46.
46
Ibid.
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De todos os 14 Noturnos de Almeida Prado, este talvez seja o mais conhecido e o mais executado da série. Nesta obra, o compositor também explora um contexto sonoro próximo da música popular, onde as sequências harmônicas de certas passagens nos fazem lembrar certas progressões harmônicas da bossa nova (como por exemplo, a progressão dos acordes de sétimas maiores). A forma do Noturno nº 4 pode ser definida por meio de grandes períodos fraseológicos “A” e “B”, que se repetem. Há ainda a presença de uma pequena introdução, formada apenas por acordes arpejados na mão esquerda, preparando a entrada do material melódico. Por meio dessas duas pequenas seções se afirma a tonalidade de Sol maior. Todavia, Almeida Prado enriquece o vocabulário harmônico do noturno com a presença de pequenas modulações no decorrer do discurso musical, principalmente por mediantes, como podemos observar na seção “B”. O gesto melódico descendente inicial deste noturno relembra o Prelúdio Op. 28 nº 15 de Chopin, como podemos notar no próximo exemplo:
Fig. 16: Almeida Prado, Noturno n° 4, compassos iniciais.
A partir do compasso 19, o discurso musical é retomado com o tema “A”, onde a melodia original se encontra com pequenas variantes de caráter improvisado, como o uso de quiálteras de colcheias em movimento ascendente e descendente, também chamadas de expansões motívicas, o que reforça a declamação poética do discurso, tornando-o mais lírico. Outra visão deste mesmo trecho seria considerar
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a mudança de registros como um diálogo à duas vozes – relembrando os procedimentos dos noturnos chopinianos.
Fig. 17: Almeida Prado, Noturno nº 4, c. 19-21 - Tema “A” (expansões motívicas).
Na seção considerada fechamento (c.34) ocorre um aceleramento rítmico no acompanhamento, com o uso de quiálteras, criando certa instabilidade no discurso musical. As modulações próximas do contexto da bossa nova recriam uma atmosfera nostálgica levando à conclusão do noturno.
Fig. 18: Almeida Prado, Noturno n° 4, c.34-41
Noturno nº 5 – Ao amigo Gilberto Tinetti O Noturno nº 5, dedicado ao Tinetti, tem um clima de Scriabine, é um ABA, onde o tema retoma na mão esquerda47.
47
Entrevista concedida a 6 de novembro de 2009.
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A forma ternária deste noturno se assemelha à construção do Noturno nº 3, onde novamente Almeida Prado se utiliza da seção central para polarizar o conteúdo dramático da obra. A mudança de andamentos e do material composicional utilizado entre as seções “A” e “B” serve como referencial na escolha das ambientações sonoras a serem projetadas no decorrer da performance. A seção “A” deste noturno inicia-se com uma melodia acompanhada de um ostinato rítmico na mão esquerda. O ostinato é formado por duas notas em intervalos de segunda menor, que sustentarão todo o polo harmônico da seção – lembramos que este tipo de ostinato também pode ser encontrado no Nocturne do Hommage à Chopin, de Heitor Villa-Lobos. Eventualmente, podemos traçar um paralelo entre a ambientação sonora deste noturno e o início do Prelúdio De pas sur la neige de Claude Debussy. Ambas as obras apresentam um ostinato, quase que hipnótico, antes da introdução do material melódico. Por outro lado, a melodia inicial possui uma característica extremamente chopiniana. O salto melódico de sexta ou oitava, atenuado por uma segunda maior ou menor, pode ser observado em alguns dos noturnos de Chopin, tais como: Op. 9 n° 2 em Mi bemol maior, Op. 9 n° 3 em Si maior e no Op. 37 n° 1 em Sol menor.
Fig. 19: Chopin, Noturno Op. 9 n° 2, c. 1 - salto de sexta atenuado.
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Fig. 20: Chopin, Noturno Op. 37 n.° 1, c. 17-20, salto de oitava atenuado.
Fig. 21: Almeida Prado, Noturno n° 5, c. 3-5 - saltos de sexta e oitava atenuados.
A seção “B” da obra se inicia no compasso 14 com a indicação “Mais rápido”. Rompe-se instantaneamente com a seção anterior por meio de uma pulsação extremamente acelerada (quase o dobro da seção “A”). Por conta da inserção de pequenas frases, geralmente de dois compassos, o compositor construiu uma seção que denota caráter improvisatório no desenho melódico. A relação da sustentação harmônica baseada em segundas menores ainda é presente em toda a seção “B”. Durante os primeiros oito compassos desta seção esta sustentação harmônica aparece mascarada nos acordes repetidos do acompanhamento, como pode ser observado no próximo exemplo:
Fig. 22: Almeida Prado, Noturno n° 5, seção “B”, c.14-15.
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A partir do compasso 24 Almeida Prado utilizou novamente as notas Dó# e Ré como centro do polo harmônico empregado no início da obra.
Fig. 23: Almeida Prado, Noturno n° 5, c. 24-33, desaceleração rítmica do ostinato (polo harmônico em Dó# e Ré).
Por meio de uma desaceleração rítmica empregada por sete compassos, Almeida Prado encerra a seção “B”, retomando a seção “A”, com a melodia principal na região média do teclado entre o ostinato rítmico e a melodia secundária. Para dar sustentação sonora a toda a seção ainda adiciona um novo baixo arpejado. O compositor encerra a obra se utilizando do mesmo recurso empregado no fim da seção “B”, a desaceleração rítmica do ostinato. Segundo o compositor, este noturno possui referências circunstanciais à escrita pianística de Scriabin. As texturas que Almeida Prado buscou no retorno do tema, isto é, quando a melodia se encontra na região central do registro do piano, é um procedimento utilizado por Scriabin no primeiro movimento da Sonata nº 4 para piano.
Fig. 24: Scriabin, Sonata nº 4 Op. 30, c. 35-38.
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Fig. 25: Almeida Prado, Noturno nº 5, c. 34-42.
Noturno nº 6 - à Wilma Brandemburgo Como o próprio compositor indica como subtítulo na partitura, o Noturno nº 6 é uma leitura pós-moderna do Le Lac de Côme de Giselle Gallos (ca.1840-1924?)48: Em entrevista ao pesquisador Tarcísio Gomes Filho49, Almeida Prado comenta a sua releitura deste noturno: “Você sabe que isso aqui é o Le Lac de Côme invertido, não é? É uma releitura satírica. É o satírico, que não é para você gargalhar, é para você sorrir....” A intertextualidade explícita neste noturno revela o desejo do compositor de criar uma jocosa paródia musical. Neste aspecto a intertextualidade e a paródia musical são aspectos que são recorrentes em algumas obras para piano de Almeida Prado. Porém, texto e intertexto podem, às vezes, suscitar uma certa ambiguidade de como a mensagem poderá interpretada e compreendida pelo leitor. Umberto Eco elucida esta questão afirmando que: 48
No Brasil a peça para piano Le Lac de Come, de Giselle Gallos, carrega um estigma de composição leggera endereçada aos amadores do instrumento. Ao mesmo tempo é considerada típica peça de salão, desprovida de maior consistência. Com seu inegável apelo romântico, Le Lac de Come se tornou peça obrigatória no repertório das jovens pianistas, massacrada reiteradamente contra a vontade de muitos professores de piano. 49 Entrevista concedida ao pesquisador Tarcísio Gomes Filho: A prática Intertextual em peças para piano de Almeida Prado: elementos de análise para a construção da performance. Tese de Doutorado. Campinas: IAUNICAMP, 2010, p.69.
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À diferença dos casos mais gerais de double coding, a ironia intertextual, pondo em jogo a possibilidade de uma dupla leitura, não convida todos os leitores para o mesmo banquete. Ela os seleciona, e privilegia os leitores intertextualmente avisados, embora não exclua os menos avisados. O leitor ingênuo, se por acaso o autor põe em cena um personagem que diz Paris é nossa!, não distingue a remissão balzaquiana e, contudo, pode se apaixonar igualmente por um personagem inclinado ao desafio e à bravata. O leitor informado, ao contrário, “pega” a referência e saboreia sua ironia – não apenas a piscadela culta que lhe dirige o autor, mas também os efeitos de enfraquecimento ou de mutação de significado (quando a citação se insere em um contexto absolutamente diverso daquele da fonte), a remissão geral ao diálogo ininterrupto que se desenrola entre os textos (ECO, 2011: 214).
A questão da dupla leitura, mencionada por Eco, pode ser aplicada também ao discurso musical. Almeida Prado revelou em entrevista50 a problemática da intertextualidade inserida no seu sexto noturno: O pianista Marcelo Verzoni tocou [o Noturno nº 6] num concerto no Rio de Janeiro. Eu estava assistindo e ouvi uma senhora, que estava atrás de mim, dizer: “nossa!, o Almeida Prado está tão sem inspiração que plagiou o Le Lac de Come!!!”. Ela não entendeu a mensagem. Quer dizer, insultou esse gesto, sem entender o que é pós-moderno... Mas eu não ia virar e me defender, porque a música ouvida é o que ela é naquele momento para quem ouve, não gostou ou gostou, adorou ou adorou errado, e daí? Não é mais tua a música....
Para melhor entender o contexto da paródia realizada por Almeida Prado, torna-se interessante uma pequena análise comparativa entre as duas obras a fim de identificar as mudanças estruturais ocorridas. O noturno de Giselle Gallos segue a típica forma ternária do noturno romântico. Um aspecto a ser notado é que a linha melódica se organiza da mesma forma que as canções italianas, mais especificamente as napolitanas. Como forma de sofisticar a linha melódica e distanciar a obra do contexto popular da canzonetta italiana, Gallos justapôs na melodia recursos da linguagem pianística romântica, tais como acordes arpejados, oitavas e trêmulos, que são acompanhados por uma textura arpejada - típica do gênero noturno.
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50
Ibid.
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Observando a estrutura das duas obras, nota-se que ambas possuem a mesma tonalidade e a forma ABA. A pequena Coda inserida por Almeida Prado tem o intuito de expandir a ironia do discurso musical. O Noturno de Gallos segue a típica construção de uma frase musical regular, tendo como alicerce a polarização da relação tonal (T-S-D-T) conforme podemos observar no exemplo abaixo:
Fig. 26: Giselle Galos, Le Lac de Côme, c. 1-3.
Fig.27: Almeida Prado, Noturno nº 6 – quatro compassos iniciais.
O Noturno nº 6 de Almeida Prado se inicia na mesma tonalidade do original de Gallos, em Lá bemol maior, adotando um
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acompanhamento idêntico na mão esquerda. Porém, logo a seguir, no segundo compasso, o compositor insere uma modulação súbita para Ré maior nos arpejos da mão esquerda com o intuito de distorcer ao mesmo tempo a linha melódica e quebrar a condução harmônica previsível para a tonalidade da Subdominante de Lá bemol maior (que é Ré bemol maior), conforme é apresentada no noturno de Gallos. Este seria o primeiro elemento sonoro-estrutural a ser trabalhado pelo intérprete: quais seriam as suas decisões interpretativas para revelar o contexto da ironia nesta passagem? Evidentemente, um rubato excessivo na mão esquerda seria inconcebível, pois a pulsação rítmica de ambos os noturnos lembram a atmosfera de uma barcarola, onde o ritmo constante do acompanhamento da mão esquerda deve ser mantido. Uma possível solução desta ambientação da paródia musical estaria relacionada com os acordes quartais escolhidos por Almeida Prado como elementos de distorção do contorno melódico. Notamos que a extensão dos acordes quartais sobre o pedal de Lá bemol são prolongados propositalmente em direção ao segundo compasso (modulado subitamente para Ré maior conforme mencionado acima), criando assim no “ouvinte ingênuo” uma sensação de estarem completamente errados e fora de um contexto tonal. Com a intenção de reforçar a intertextualidade jocosa, o intérprete poderá adicionar nesta passagem um pequeno rubato nos arpejos quartais da mão direita (tocados mais lentamente, timbrando notas superiores) e enfatizar a súbita modulação em direção ao segundo compasso, com pequena espera para o ataque do primeiro tempo, viabilizando uma mudança na cor da sonoridade. Da mesma forma, a cadência no compasso 5 implica numa fina ironia, pois Almeida Prado, ao invés de concluir o noturno em Lá bemol maior, realiza uma condução harmônica para Lá maior por meio dos acordes quartais precedentes. No quinto compasso Almeida Prado se utiliza da melodia das oitavas, do Le Lac de Côme, na forma retrógada para dar prosseguimento a sua paródia musical. Nesta passagem, as inúmeras modulações abruptas apontam para a desconstrução proposital dos suaves contornos da obra Gallos reforçando a afirmativa de Almeida Prado: “É o satírico, que não é para você gargalhar, é para você sorrir...”
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Fig. 28: Giselle Galos, Le Lac de Côme, c. 5-8.
Fig. 29: Almeida Prado, Noturno n° 6, c. 5-8
É justamente na seção “B” que se encontra o maior distanciamento entre as duas obras. No Noturno de Galos é perpetuado o acompanhamento alternando entre acordes e arpejos, numa melodia simples que rememora os arpejos iniciais da obra, com fortes relações tonais, neste caso entre Lá bemol maior e Fá menor. Já em seu Noturno n° 6, Almeida Prado dá margem a efeitos de ressonância, explorando toda uma dramaticidade (que pode também ser interpretada como uma ironia) praticamente ausente na obra de Gallos. Por meio de pequenas rememorações da melodia do compasso 5, toda esta seção é construída quase que improvisadamente por meio de relações quartais.
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Fig. 30: Almeida Prado, Noturno n° 6, c. 21-23.
O retorno da seção “A” nas duas obras ocorre com um diferencial: ambas constroem a melodia inicial utilizando oitavas repetidas. Almeida Prado ainda elabora uma alternativa diferente para tocar esta seção, com a nota de rodapé sugerindo a possibilidade de se tocar esta seção em oitavas quebradas.
Fig. 31: Giselle Galos, Le Lac de Côme, c. 29-30.
Fig. 32: Almeida Prado, Noturno n° 6, c. 24-25.
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Há ainda no noturno de Almeida Prado a presença de uma pequena Coda, construída inicialmente com intervalos de quarta que se encerra em uma progressão de acordes sem relações tonais. Almeida Prado inclui um acorde suspensivo no final da obra como forma de valorizar ainda mais o contexto satírico da obra. Um interessante paralelo pode ser traçado entre o final deste noturno e o final da peça Paganini – parte integrante do Carnaval op. 9 de Robert Schumann. Nos últimos compassos de Paganini, Schumann irrompe com terças em fortíssimo na região grave do instrumento e subitamente inclui um acorde para ser “tocado” silenciosamente, o que gera sons harmônicos do acorde da dominante da próxima peça, Valse Allemande. Os dois compositores trabalham a ressonância harmônica como forma de quebra do discurso musical e da expectativa sonoras do ouvinte.
Fig. 33: Almeida Prado, Noturno n° 6, c. 37-38.
Noturno n.º 7 - À José Eduardo Martins É puro Villa-Lobos isso. Como você tem esses cantores populares, que tem um acompanhamento realmente firme e ele flutua sobre isso. Como “No rancho fundo...” O Villa faz muito disso. Você tem isso na Alma Brasileira. Como eu quis homenageá-lo, eu copiei isso dele. O Noturno nº 7 foi uma encomenda do José Eduardo [Martins], que é a cara do Villa-Lobos51.
Diferentemente da maioria dos noturnos de Almeida Prado, o Noturno n° 7 não é construído na forma ternária, como a maioria dos noturnos, mas sua construção musical não impede de ser caracterizado
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Entrevista concedida a 6 de novembro de 2009.
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como gênero noturno. Os oito primeiros compassos da obra podem ser destacados como uma seção introdutória, onde a combinação dos rápidos arpejos construídos com intervalos de quarta, a sobreposição de acordes que se expandem da região média do teclado para as extremidades e a notação de caráter Rápido, como uma estrela cadente, garante a alusão dramática do subtítulo Noturnas saudades do Rio Solimões, pelos 100 anos de Villa-Lobos, deixada como referência pelo compositor.
Fig. 34: Almeida Prado, Noturno n° 7, c. 1.
A sensação de rubato escrito ou até mesmo de flutuação na seção “A”, é causada pelo deslocamento de tempos fortes e fracos da melodia em relação ao acompanhamento, por meio do desdobramento rítmico das quiálteras escritas por Almeida Prado. Em homenagem ao compositor Heitor Villa-Lobos, Almeida Prado construiu uma melodia ritmicamente similar com a do Choros n° 5 – Alma Brasileira.
Fig. 35: Villa-Lobos, Choros nº 5 - Alma Brasileira, c. 3-5.
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Fig. 36: Almeida Prado, Noturno n° 7, c. 9-11.
O Noturno n° 7 não apresenta uma tonalidade pré-estabelecida, mas há sempre uma pequena relação de dominante-tônica entre algumas passagens dessa seção, como nos compassos 17 e 18, onde é possível realizar uma conexão harmônica de Dominante e Tônica em fá menor, ou do compasso 19 para o 20, em Fá sustenido menor: características do tonalismo livre de Almeida Prado.
Fig. 37: Almeida Prado, Noturno n° 7, c. 15-20.
A seção de transição (c. 27-33) é caracterizada pela presença de aceleração métrica no ostinato rítmico. O ritmo é alterado, de colcheias para semicolcheias, mas a articulação permanece intacta. Este tipo de articulação é mais uma similaridade rítmica deste noturno com a obra
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Alma Brasileira de Villa-Lobos, em que o agrupamento de colcheias e semicolcheias (3+3+2) causa o mesmo efeito rítmico da seção central do choro. Há ainda a presença da mesma intenção melódica do início da obra, uma rápida cadência arpejada, desta vez em movimento descendente.
Fig. 38: Villa-Lobos, Choros nº 5 - Alma Brasileira, c. 25-26.
Fig. 39: Almeida Prado, Noturno n° 7, c. 28-29.
Os acordes utilizados na Coda (c. 35-43) são os mesmos utilizados na introdução, porém de maneira retrógrada. Enquanto Almeida Prado aumenta a distância entre as duas mãos na introdução, o mesmo acontece no fim da obra retrogradamente.
Fig. 40: Almeida Prado, Noturno n° 7, c. 6-8 - original.
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Fig. 41: Almeida Prado, Noturno n° 7, c. 34-43 - retrógrado.
O noturno se encerra de forma enigmática sobre as reverberações do polo Mi, onde as vibrações sonoras relembram o violão seresteiro de Villa-Lobos. Noturno n.º 8 - À Flávio de Almeida Prado Este noturno é bem popular Thiago, é bem na linha dos prelúdios do Santoro, bem simples, um “pop-bossa-nova”. O Noturno nº 8 é meio bossa nova, não é algo habitual do meu estilo, mas eu quis fazer ele meio popular, meio Santoro52.
O Noturno nº 8 se inicia com um ostinato rítmico de quatro colcheias, que sustenta toda a obra, reforçando a notação deixada pelo
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compositor no início, “Calmo, contínuo”. Esse material apresentado durante os compassos de abertura (c.1-8) gerará a frase inicial da seção “A”, já que ambos são baseados na construção melódica de intervalos de segunda. Ao mesmo tempo, essa célula motívica se transforma em acompanhamento para a melodia principal do noturno.
Fig. 42: Almeida Prado, Noturno n° 8. Célula motívica, c. 1-3.
Fig. 43: Almeida Prado, Noturno n° 8, c. 9-11 - uso da célula motívica.
Segundo o compositor, este noturno sofre uma forte influência do movimento brasileiro bossa nova, tanto melodicamente quanto harmonicamente. Podemos traçar um paralelo entre o contorno da melodia inicial deste noturno (c.9-10) com o contorno melódico das canções para piano e canto de Cláudio Santoro, que de certa forma foram precursoras da harmonia típica da bossa nova. A partir do compasso 22, a melodia se transfere para a mão esquerda enquanto este mesmo ostinato rítmico é deslocado de sua métrica original, criando uma interessante polaridade entre o ostinato e o material melódico.
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Fig. 44: Almeida Prado, Noturno n° 8, c. 21-26 - ostinato anacrústico em destaque.
Os quatro compassos que se sucedem (32-35) tomam o papel de realizar uma pequena transição para que a obra volte a sua construção inicial, a de uma melodia acompanhada, mas apresentada neste segmento em uma tonalidade maior. Não há um retorno do tema inicial, apesar de encontrar-se uma pequena citação na região média do teclado, a partir do compasso 44. O noturno encerra-se no pólo Si com uso do ostinato inicial.
Fig. 45: Almeida Prado, Noturno n° 8, c. 44-46.
Noturno n.º 9 - “In memorian” de Maria Ignez e Nhonhô Almeida Prado São pequenas variações dentro da forma. Ele é muito brahminiano sabe? Um Brahms Klavierstück. O Noturno nº 9 foi feito em forma de variações, cada trecho uma variação. Não foi escrito em forma ABA, mas tem uma Coda no fim.
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Ele é um pouco trágico, pois escrevi em homenagem a um casal de primos meus que morreram num acidente, por isso o tema é todo descendente, triste, são lágrimas, o desespero53.
Conforme atesta o compositor este noturno carrega alguns traços dos arquétipos de Brahms. Almeida Prado não menciona nesta entrevista qual seria o Klavierstück que originou esta intertextualidade indireta, mas podemos especular entre a possível similaridade de gestos musicais entre este noturno e o primeiro Intermezzo do Klavierstücke op.119.
Fig. 46: Johannes Brahms, Intermezzo op.119 nº 1 - início.
Fig. 47: Almeida Prado, Noturno nº 9, c. 1-7 - células motívicas descendentes em destaque.
Observando os exemplos acima notamos que Almeida Prado descreve um desenho melódico descendente de forma similar ao contorno
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melódico do Intermezzo de Brahms. A articulação harmônica de ambas as peças apresenta uma relação sequencial de quintas descendentes e tende a gravitar em torno do polo Si. Outro importante aspecto a ser notado na procedimento formal deste noturno é o emprego do processo composicional largamente utilizado por Brahms denominado Entwickelnde Variation (variação desenvolvida). Sob este ponto de vista, constata-se que o noturno possui um tema original, três variações e Coda. Apesar deste secionamento ser visível no procedimento analítico, a concepção de um processo orgânico, sem rupturas, seria a meta a ser atingida na interpretação desta obra. O tema inicial compreende os sete compassos iniciais. A notação inicial de andamento e caráter indicada pelo compositor no início da obra (Lento, triste, mais resignado) carrega todo o caráter melancólico da obra, lembrando que esta foi composta em memória de seus entes queridos que sofreram um trágico acidente. Almeida Prado construiu um caráter para a obra com o uso de pequenas células melódicas arpejadas descendentemente. Há seis células motívicas descendentes que predominam nesse tema, em sua maioria, formadas por acordes menores. Uma característica peculiar é que as células inicial e final (numeradas na figura abaixo) não possuem todas as notas formadoras de um acorde. Porém, a própria ambientação criada pelo compositor no início da obra confirma o caráter menor, que será desenvolvido no decorrer do noturno. Os compassos 8 ao 15 compreende o que pode se chamar de Variação 1. Enquanto Almeida Prado apenas expunha as células motívicas descendentes em seu tema original, nesta seção, cada uma dessas células ganha um suporte harmônico criado pela mão esquerda. As células que antes eram conectadas em uma linha melódica contínua transformaram-se em pequenas frases dentro da seção, uma em cada compasso.
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Fig. 48: Almeida Prado, Noturno nº 9, c. 8-13 - Variação 1.
A segunda variação (c.17-19) contrasta com a anterior tanto em intensidade quanto em construção motívica. Almeida Prado concentrou as seis células motívicas em apenas três compassos, além de utilizá-las como acorde.
Fig. 49: Almeida Prado, Noturno nº 9, c. 16-20 - Variação 3.
No compasso 21 se inicia a primeira seção livre do noturno. Por meio de uma textura coral, Almeida Prado ainda mantém os mesmos gestos melódicos do tema original, utilizando melodias com finalizações descendentes. A ideia de contraste de dinâmicas criada pelo compositor entre as duas primeiras variações é suprimida na seção livre a partir do compasso 26. O último compasso desta seção possui a função de dominante com sétima para o acorde inicial de si menor da próxima variação. É justamente na terceira variação da obra que se pode observar
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a utilização da textura inerente aos noturnos. As células motívicas descendentes aqui são apoiadas por um acompanhamento arpejado. A harmonia utilizada é extremamente similar a da primeira variação. Como uma tentativa de impor o ápice da obra nesta seção, Almeida Prado acrescenta a notação Pouco mais movido, para adicionar dramaticidade à seção.
Fig. 50: Almeida Prado, Noturno nº 9, c. 32-35 -Início da Variação 3.
Almeida Prado finaliza esse noturno com uma seção livre de caráter religioso para complementar a dramaticidade do texto musical com a notação inicial de caráter. No compasso 45, encontra-se uma característica inerente à linguagem composicional do compositor. Prado insere as notas si e dó nas três regiões mais graves do piano em conjunto com a indicação de pedal até o final, aproveitando as ressonâncias desta região do piano para contrastar com a sequência de acordes em piano e pianíssimo que finalizam esse noturno.
Fig. 51: Almeida Prado, Noturno nº 9, c.45-48.
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Noturno n.º 10 - À Valéria Marques e Marco Cesar Padilha A forma ternária se estabelece no Noturno nº 10 de forma peculiar. A seção “A” (c.1-5) se caracteriza por seu contraponto, em sua maioria a quatro vozes. A melodia superior caminha livremente enquanto as outras vozes oferecem suporte harmônico. Basicamente, as outras vozes que compõem esse contraponto caminham descendentemente, neste caso, o baixo, quase que cromaticamente. Esta seção ainda funciona como uma pequena introdução com textura coral. Este tipo de textura pode ser encontrado, por exemplo, no Noturno Op. 48 nº 1 de Chopin. A linha do baixo presente aqui é de extrema importância, pois conecta a próxima seção, com o uso de uma escala cromática descendente.
Fig. 52: Almeida Prado, Noturno nº 10, c. 1-5 - 1ª seção.
A segunda seção compreende duas ideias contrastantes (c.6-14 e c.15-19). Com a indicação de Mais movido, Almeida Prado estruturou sua obra com uma textura característica de noturnos, a de uma melodia acompanhada, neste caso por um ostinato de acordes apoiados em um baixo oitavado. A dramaticidade desta seção é representada por sua inconsistência rítmica, causada pela frequente mudança nas fórmulas de compasso e pelo baixo sincopado, que por sua vez auxilia na flutuação melódica da seção. Apesar de a melodia se encontrar na mão esquerda,
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ela ainda permanece na região aguda do piano. Este tipo de escrita é bastante característico em compositores do século XX, que certamente influenciaram muito a obra e concepção de Almeida Prado. Ravel usa este mesmo tipo de estrutura composicional na obra La Vallée des Cloches, da Suíte Mirroirs, onde a representação dos sinos (cloches) é executada no registro agudo do piano, pela mão esquerda.
Fig. 53: Almeida Prado, Noturno nº 10, c. 6-8 - início da seção “B”.
Mais uma vez, Almeida Prado utiliza-se de uma escala cromática (nesse caso, ascendente) para conectar diferentes subseções da obra. A segunda ideia do noturno (c. 15-19) possui uma temática livre, em que os arpejos escritos são arquitetados por eixos de sétima em suas extremidades. O aspecto interessante dessa subseção é que o compositor não finaliza ou cria uma conexão como anteriormente, deixando-a suspensa. A sensação impetuosa característica dessa seção é reforçada por meio das pausas, da dinâmica e da notação precipitando, presentes no final. No compasso 17, os acordes utilizados por Almeida Prado que geram a suspensão são formados pelas mesmas notas dos dois acordes iniciais da obra (Lá – Mi - Si b - Ré e Sol – Mi – Si b - Fá).
Fig. 54: Almeida Prado, Noturno nº 10, c. 17-19 - fim da 3ª seção.
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O retorno da seção “A” deste noturno apresenta a textura da melodia acompanhada. A indicação distante, como um eco em pianíssimo revigora a alusão reminiscente da primeira seção.
Fig. 55: Almeida Prado, Noturno nº 10, c. 1-3 e 20-22 - comparação motívica (manuscrito).
Almeida Prado encerra este noturno com uma progressão de arpejos direcionados a região aguda do noturno e, assim como na seção anterior, utilizou-se dos dois acordes iniciais da obra para finalizar o noturno. De particular interesse é a pontuação dos últimos acordes no registro agudo do instrumento lembrando a ressonância de sinos e pontuando o final do noturno com uma intensidade mística.
Fig. 56: Almeida Prado, Noturno nº 10, c. 20-25.
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Noturno n.º 11 - À Mary Ann Anderson Coutinho As ondulações harmônicas da textura do acompanhamento deste noturno (oscilando entre acordes de sexta acrescentada e dominantes suspensivas) e o gesto melódico inicial, delineando um caráter quase nostálgico, nos fazem lembrar a princípio os Ponteios de Camargo Guarnieri. Em outras seções da obra o gesto musical relembra os contornos dos ornamentos chopinianos. De fato, o que torna esta obra interessante é a façanha do compositor em apresentar múltiplas intertextualidades musicais perfeitamente integradas sem perder, contudo, a sua assinatura musical. A estrutura formal do Noturno n.º 11 contempla um ABA, em que a melodia é acompanhada por uma textura em acordes arpejados. O tema inicial da seção A é formado por uma frase de 2 compassos. Após apresentar esta frase, o compositor inicia a mesma ideia temática com um contraponto a duas vozes, em que apenas o gesto melódico inicial é inserido na frase.
Fig. 57: Almeida Prado, Noturno n° 11, c. 1-2 -tema inicial.
Fig. 58: Almeida Prado, Noturno n° 11, c. 4-5 - Contraponto melódico a duas vozes e rememorações do tema inicial (em destaque).
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O Noturno nº 11 apresenta uma melodia extremamente cantante, com fortes características chopinianas, tanto no uso da ornamentação, quanto no seu rebuscado contraponto. Há a presença de finalizações com ornamentos escritos, mostrando a preocupação do compositor na precisão de suas inflexões melódicas, como se pode observar nos compassos 2 e 12.
Fig. 59: Almeida Prado, Noturno n° 11, c.2 (tempos 3 e 4).
Fig. 60: Almeida Prado, Noturno n° 11, c. 12.
Os acabamentos de frases e ornamentos estão muito próximos da escrita chopiniana. A alternância dos intervalos oscila entre graus conjuntos e disjuntos, valendo-se de movimentos de compensação tipicamente cantantes com a presença de inflexões melódicas peculiares dos noturnos de Chopin.
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A segunda seção da obra “B” apresenta uma temática mais livre com grandes acabamentos fraseológico, mas envolta em uma atmosfera impressionista. Os ornamentos presentes ora possuem funções estruturais da melodia, ora funções de refinamento, como se pode observar no trinado do compasso 13, onde o compositor finaliza o ornamento com uma pequena escala cadencial descendente, antes de retomar o tema principal da obra. Há certa semelhança entre a construção cadencial ligada à ornamentação, com um trecho do Noturno Op. 32 n° 2 de Chopin.
Fig. 61: Almeida Prado, Noturno n° 11, c. 13 (tempos 3-6).
Fig. 62: Chopin, Nocturne Op. 32 n° 2, c. 64-65.
A partir do compasso 16, o acompanhamento passa para a mão direita em forma de ostinato enquanto a melodia se estende pela região médio-grave do piano. Ao retomar a seção “A”, o compositor apresentou novamente a mesma ideia melódica inicial, porém com um tratamento rítmico diferente no acompanhamento, um pouco mais movido, por meio de quiálteras de cinco notas.
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Fig. 63: Almeida Prado, Noturno n° 11, c. 14.
A própria Coda da obra apresenta pequenos fragmentos da frase inicial da obra, muitas vezes, intrincados em diferentes vozes.
Fig.64: Almeida Prado, Noturno n° 11, c. 19-22 fragmentos da melodia inicial em destaque.
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Noturno n.º 12 - Ao César Suzigan Este aqui [Noturno nº 12] quando eu fiz, é como se eu tivesse compondo uma nova Carta Celeste, como se isso aqui fosse uma galáxia, não uma constelação, mas uma galáxia... mas virou noturno. O Noturno nº 12 é muito multifacetado54.
Dentro da poética pós-moderna de Almeida Prado, o Noturno nº 12 se encontra num momento de saturação de sua temática astronômica. É a prova de que o compositor não se desprende completamente de sua temática anterior. Além disso, esse noturno demonstra a fusão do uso das técnicas aprendidas com Guarnieri e Messiaen e a concepção do sistema de organização das ressonâncias. Antes de dar início ao primeiro volume das Cartas Celestes, Almeida Prado criou um material sonoro fixo, para servir de base e dar unidade a toda obra. Por meio de um mapeamento sonoro, Almeida Prado criou 24 acordes, relacionados ao alfabeto grego, que segundo ele mesmo, deu poder para “...expandir, retrair, explodir, concentrar, contrastar, estilhaçar, coagular e petrificar” (ALMEIDA PRADO, 1986, p.7) todo o material sonoro construído dentro de toda sua composição de cunho astronômico. O noturno se inicia com uma espécie de abertura ou introdução (c.1-4) caracterizada pelo uso do sistema de ressonâncias com uso continuo do pedal direito e de aglomerações de acordes maiores e quartais sobrepostos. As progressões melódicas dos compassos 2 e 3 são responsáveis por afirmar o emprego das ressonâncias. Os materiais aqui empregados estão presentes nos 24 acordes utilizados nas Cartas Celestes. No volume I das Cartas Celestes, Almeida Prado representa a chegada da noite por meio de uma figuração melódica em movimento contrário, fundindo em um cluster. Dessa maneira, o compositor representa a chegada de um clima noturnal no compasso 4.
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Fig. 65: Almeida Prado, Noturno nº 12 figuração em movimento contrário no c.4.
A contínua pulsação do acompanhamento em colcheias representadas nos compassos 5 a 8 cria um pedal de ressonâncias múltiplas. Almeida Prado usou este mesmo conceito para representar a Lua, no volume III das Cartas Celestes. Segundo o compositor, o sistema de ressonância criado em suas obras seria “... uma tentativa de colocar juntas as experiências atonais com o uso racional dos
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harmônicos superiores e inferiores, criando zonas de percepção das ressonâncias” (ALMEIDA PRADO, 1986, p. 559). Aqui se constata a textura do noturno, ou seja, a melodia acompanhada com indicação de cantabile, que, nesse caso por um ostinato rítmico, e não arpejos, conforme observado no compasso 5 da figura anterior. Por meio da utilização de uma textura menos densa, o compositor continua o noturno, no compasso 9, com a melodia na mão esquerda e uma pulsação rítmica mais agitada. A partir do compasso 23, Almeida Prado traz a indicação de nebulosa, que de acordo com o dicionário Priberam, caracteriza-se por um “reflexo esbranquiçado de um numeroso agrupamento de estrelas distantes, misterioso, enevoado55. A definição do dicionário em comparação com as reais intensões de Almeida Prado conectam-se se por meio da ambientação de uma progressão apoiada em trítonos consecutivos (compasso 24).
Fig. 66: Almeida Prado, Noturno nº 12, c. 23-26.
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Disponível em http://is.gd/QeeGzE.
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Após a saturação da progressão de acordes, Almeida Prado insere três compassos que podem ser vistos como uma seção livre.
Fig. 67: Almeida Prado, Noturno nº 12, c. 26-28.
No compasso 29, o compositor constrói uma nova ideia musical. Inicia-se aqui um ostinato de acordes que irá sustentar a nova melodia, indicada como canto sideral, a partir do compasso 31, onde novamente pode ser visto a típica textura de um noturno, apoiada pela nota si bemol na linha do baixo. Almeida Prado ainda insere a notação de accelerando no fim da melodia, para dar início a uma rápida progressão de notas, com a predominância de intervalos de quarta e quinta.
Fig. 68: Almeida Prado, Noturno nº 12, c. 31-32 - melodia (pauta superior), ostinato (segunda pauta) e baixo (pauta inferior)
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Além de toda ambientação deste noturno estar fundamentada nas ideias composicionais buscadas nas Cartas Celestes, Almeida Prado finalizou a obra com a mesma figuração utilizada no início. Há ainda a presença de um acorde de Si bemol maior no fim do noturno, reminiscência da nota pedal utilizada no canto sideral.
Fig. 69: Almeida Prado, Noturno nº 12, c. 41-44.
Noturno n.º 13 – À minha querida e amada filha Maria Constança, pelos seus 13 anos em 09/07/91 O Noturno nº 13, que originalmente foi escrito para piano e violino, possui a forma ternária ABA. O compositor inicia a primeira seção de seu noturno (c.1-12) com uma melodia acompanhada de duas sobreposições distintas. A primeira é um acompanhamento fluido de arpejos que se contrapõem com a melodia quase como uma segunda voz. Almeida Prado trabalha esta linha e a melodia com nuances similares dos noturnos de Chopin, como na seção inicial do noturno Op. 27 nº 1
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ou na seção final do noturno Op. 55 nº 2. Há ainda a intervenção de um acompanhamento de acordes em tercinas, que flutuam sobre as duas linhas superiores. É importante ressaltar que esse tipo de composição com sobreposições distintas é uma forte característica da música francesa para piano, difundida em compositores como Fauré, Debussy e Ravel, também compositores de noturnos para piano.
Fig. 70: Almeida Prado, Noturno nº 13, c. 1-3 - sobreposições de texturas.
Ao contrário das nuances apresentadas na melodia da seção “A”, a próxima seção (c.13-30) se destaca por sua posição estática de acompanhamento e melodia. O acompanhamento desta seção é caracterizado pelo contraste rítmico das colcheias que acompanham a melodia da mão direita e os acordes em tercinas da mão esquerda. Não há uma progressão harmônica pré-estabelecida nesses acordes em tercina, apenas um agrupamento sequenciado que aspiram uma nova paleta de cores à seção. A partir do compasso 27, Almeida Prado inicia uma transição com o uso de trinados na mão direita, acompanhados de acordes arpejados na mão esquerda.
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Fig. 71: Almeida Prado, Noturno nº 13, c. 22-27 - transição.
O retorno do tema “A”, no compasso 31, aparece com a melodia oitavada em fortíssimo. O tema aqui não retorna em sua totalidade, mas aparece como uma pequena rememoração do gesto inicial. Almeida Prado insiste neste gesto melódico durante os compassos 34 e 35. O acompanhamento transforma-se em ostinato, enquanto há uma desaceleração métrica na melodia. Após dois compassos e meio de estabilidade do ostinato do acompanhamento, o compositor rememora o tema inicial na mão esquerda acrescido da indicação de cantabile, finalizando o noturno no que poderia se considerar acorde de tônica da obra.
Fig. 72: Almeida Prado, Noturno nº 13, c. 40-43 - rememoração temática e ostinatto
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Noturno n.º 14 – À minha querida e amada filha Ana Luiza pelos seus 14 anos em 20/07/91 A forma do Noturno nº 14 é mais nítida. Tem uma pequena introdução, “A” com da capo, o “B” no Allegro e volta o “A”. Eu aproveitei algumas peças que compus em 1958, quando tinha 15 anos. Uma obra que eu mostrei para o Guarnieri, quando quis estudar com ele.
A forma utilizada por Almeida Prado no Noturno nº 14 contempla uma estrutura ABA, contendo uma pequena introdução de cinco compassos e uma transição entre a seção B e a reexposição do tema A, onde o mesmo material introdutório é utilizado. A progressão de acordes apresentada durante a introdução converge para a tonalidade de Si maior, em que o último acorde se encontra suspenso na sua dominante com nona e décima terceira.
Fig. 73: Almeida Prado, Noturno n° 14, c. 1-5 - introdução.
Com o acompanhamento em ritmo constante de acordes arpejados, a melodia com contornos chopinianos é construída na tonalidade de Si maior. A partir do compasso 19, a melodia transita em diferentes regiões do teclado e o acompanhamento é escrito em ostinato até o compasso 23, onde o gesto inicial melódico é transposto para a linha do baixo.
Fig. 74: Almeida Prado, Noturno n° 14, c. 19-22.
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Ibid.
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A partir de um ostinato de acordes no registro médio do teclado, a melodia de caráter livre e pontuada da seção “B” se estende por diferentes regiões do piano (de Dó1 à Lá4). Outro aspecto desta seção diz respeito à brusca mudança de andamento, nesse caso o dobro, como recurso de contraste; esse também utilizado em seu Noturno nº 5. A tonalidade desta seção não se estabelece, apenas sugere a presença de dó menor nos compassos 27 (início da seção) e 34 (região da dominante).
Fig. 75: Almeida Prado, Noturno n° 14, c. 27-30.
Podemos observar neste noturno uma clara semelhança com a forma e o caráter do Noturno Op. 15 n° 1 de Chopin, em que a seção “B” do noturno contrasta tanto em tonalidade e caráter quanto em andamento.
Fig. 76: Chopin, Nocturne Op. 15 n° 1, c. 1-4 - seção “A”.
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Fig. 77: Chopin, Nocturne Op. 15 n° 1, c. 25-26 - seção “B”.
A partir do compasso 35 (Pouco Menos), o compositor condensa a progressão harmônica dos acordes e os expande em diferentes regiões do registro pianístico. Sua expansão máxima acontece no início do compasso 41, onde por meio de uma sequência de acordes cromáticos descendentes da mão direita se contrasta com um baixo cantante ascendente na mão esquerda e abre espaço para mais uma transição elaborada através do próprio material introdutório.
Fig. 78: Almeida Prado, Noturno nº 14, c. 40-46.
A seção “A” é retomada a partir do compasso 48, porém não inteiramente, e sim como uma rememoração. O tema dessa seção aparece deslocado em relação à seção inicial. A flutuação melódica sobre os acordes arpejados da mão esquerda entra em conflito devido ao deslocamento de um tempo da melodia. A obra se finaliza com a
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repetição de parte do tema inicial. Almeida Prado criou, a partir disso, uma ambiguidade no fim da obra, já que ao mesmo tempo em que a obra é finalizada na tônica, a melodia rememorada é suspensa.
Fig. 79: Almeida Prado, Noturno nº 14, c. 47-57.
Os Noturnos para piano de Almeida Prado representam uma importante contribuição para a literatura pianística. Os 14 Noturnos abrem um novo horizonte na linguagem musical do compositor, onde propostas de releituras das obras do passado musical, principalmente as de Chopin servem de elemento inspirador e poético para a criação musical. Há em Almeida Prado uma franca semelhança com Frédéric Chopin: ambos os compositores primam pela escrita musical pianística, fazendo uso da complexidade técnica instrumental quer seja em padrões rítmicos, melódicos, harmônicos e timbrísticos ou ainda poéticos. Através dos Noturnos de Almeida Prado fazemos uma viagem sonora ao idílico da noite romântica, talvez perdida para sempre na nossa caótica civilização globalizada.
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Ficha técnica do CD Integral dos Noturnos para piano de Almeida Prado Fernando Corvisier, piano Local da gravação: Auditório da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP Piano Steinway, modelo D –Hamburgo Técnicos de Gravação: Cristiano Ferrari e Fernando Alberto Guilhon Edição e Masterização: Fernando Guilhon e Fernando Corvisier Datas: Fevereiro e abril de 2014
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